A "magia" do Natal

Já era tarde e ele perambulava pelas ruas esburacadas da cidade. Estava bêbado; acabara de sair da confraternização da empresa: carne de segunda mal assada e cerveja barata, meio quente para todos se fartarem enquanto coubesse no estômago, acostumado a comida requentada no almoço corrido.

Não fora um grande ano. Nem para ele nem para a empresa. Terminara o ano trabalhando até muito tarde da noite para pagar as infindáveis horas, que ao longo do ano depositara contra sua vontade, no banco de horas. Agora, dentro de si, ficava o sentimento ruim de ter sido explorado. E aquela “festa”, que a tantos colegas fazia bem, a ele fazia mal. Sentia-se como uma prostituta que voltava para casa depois de ter recebido a parte do vil metal que lhe cabia pelo serviço prestado. Cumprira sua sina.

Era Natal e as luzes pirilampeavam por todos os cantos onde sua vista embaraçada pelo excesso de álcool podia pousar. Todos estavam felizes, ou pelo menos assim se faziam parecer. Ele, pelo contrário, se sentia deprimido. Odiava o natal. Não o natal em si, mas a hipocrisia que surgia com ele. Campanhas diversas, o telefone não parava de tocar: eram fraudas para um, remédios para outro, uma cesta para fulano, uma roupa para beltrano; uma entidade lhe convidara para ser padrinho de uma criança em fase terminal de câncer. Criança que ele não conhecia, nem viria a conhecer nem sabia se existia mesmo.

Já não abria mais a caixa de correio eletrônico. Não suportava mais ver aquele velho barrigudo, de roupa vermelha, com sua longa barba branca e sua risada sem graça aparecer em centenas de e-mails, tentando engordar os cofres de lojas do país inteiro e emagrecer o seu bolso ambicionando ficar com seu mísero décimo terceiro salário.

Parou diante da vitrine de uma loja de eletrônicos. Toda iluminada. Uma grande TV de plasma estava à mostra. Do lado a foto do velho barrigudo acompanhada do antigo chavão: “realize seu sonho”: compre agora e comece a pagar só depois do carnaval. Apenas doze parcelinhas de novecentos e sessenta e seis reais e cinquenta e oito centavos. Riu-se sozinho diante da situação. Com esse valor e essas condições de pagamento compraria o carro que a mulher desejava tanto ter. precisaria apenas de um aumento no salário para atingir o valor da prestação: quinhentos e um reais de aumento para ser mais exato.

Ocorrera-lhe que a mulher estava sozinha em casa. Acendeu mais um cigarro, era o último dos três maços que comprara pela manhã. Ia para casa. Ela já devia estar dormindo.

Abriu a porta com cuidado. Não queria que as crianças acordassem. Foi até o quarto. A mulher dormia em paz; uma criança em cada lado da cama. Talvez ara suprir a ausência dele. Não pode levá-los a festa, era norma da empresa. Naquela festa familiar, cada funcionário poderia levar apenas um acompanhante, não importando de quantos membros sua família fosse composta. Sabia que a esposa jamais deixaria suas crias com alguém para ir se divertir sozinha com o marido. Sentiu-se um maldito egoísta por ter ido sem eles.

Foi até a cozinha, estava com sede. Sobre a mesa, o presente da empresa onde ela era prespontadeira. Preferiam dar algo melhor que ma festa: uma cesta de Natal. Ficou curioso para ver o que tinha dentro: bolachas água e sal, panetone de padaria, castanhas (como será que se come isso, pensou ele), bombons duas latas de sardinhas, um vidro de ervilha, uma goiabada, balas mastigáveis, uma lata de cocada preta tipo quebra colheres e uma garrafa de sidra cereser; pelo menos ia tomar “champanhe” na virada do ano.

Abriu a geladeira. Havia ainda uma última lata de cerveja na porta. Resolveu beber a última do dia. Afinal, era Natal. Quis acender outro cigarro, lembrou-se de que não tinha.

Deitou-se no sofá da sala, ia dormir ali mesmo. “amanhã com certeza vou acordar me sentindo melhor” pensou consigo mesmo. “Daqui a oito dias um novo ano vai começar e enfim a vida vai sorrir para mim... ou não”.

Luciano de Assis
Enviado por Luciano de Assis em 09/09/2011
Código do texto: T3209705
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