Recanto

Nascera e crescera na cidade. Longe dos campos. Deste só mesmo o que ouvia sua mãe falar, de um jeito que denunciava saudosismo e o desejo de para lá retornar. Acabara por fim criando dentro de si este mesmo desejo. Estava cansado da vida na cidade. Começava a tomar nojo de gente. Suas mentiras, suas tramas para de alguma forma levar vantagem sobre tudo e sobre todos.

Começou a desejar um pequeno pedacinho de terra onde pudesse criar três ou quatro vaquinhas. Onde pudesse instalar um chiqueiro e criar alguns porcos, que se reproduzissem ali mesmo e garantisse carne o ano todo.

Muitas galinhas para suprimento de ovos e carne para o almoço de domingo. Perus, patos, marrecos, galinhas da angola, cães para proteção da casa, gatos, coelhos e codornas. Algumas cabras, por que não? Afinal foi o leite delas que o curara de uma terrível coqueluche na infância. Iria precisar também de um cavalo, ou égua, ou os dois, sendo o cavalo inteiro poderia tirar cria para o comércio.

A casa não precisava ser grande: dois quartos, uma boa sala, cozinha com fogão a lenha, banheiro, uma varanda para por a rede, e alguns bancos para contemplar à tarde, isso bastava, afinal intencionava morar apenas com sua velha mãe e cuidar dela enquanto vivesse. Já tivera sua dose de romantismo e desejo de uma companheira, se aventurara muitas vezes, quebrara a cara em quase todas, não desejava mais se arriscar.

A frente da casa plantaria rosas, muitas, de diversas cores, a mãe adorava flores. Nos fundos, árvores frutíferas: Manga (pequi, sangue de boi, comum), laranjas, limão, maracujá, abacate, acerola, jabuticaba, caqui, uvas e até morangos. Plantaria ainda pés de café, três ou quatro, apenas para consumo. Ele mesmo beneficiaria os grãos, colheria, colocaria para secar, depois torraria. Podia sentir na boca o gosto do café puro, nada comparado ao que consumia atualmente. Plantaria cana, gostava da garapa com gotas de limão e pedras de gelo.

Ao leste da casa faria uma grande horta. Plantaria de tudo um pouco: Cebolinha de folha, alface, almerão, couve, couve-flor, tomate, jiló, quiabo, berinjela, beterraba, pepino, agrião, hortelã, hortelã pimenta, pimenta, rabanete, chuchu, acelga, maxixe, nabo, cenoura e pimentão. Não poderia se esquecer das plantas medicinais: bordo, carqueja, erva cidreira, caninha de macaco, cervejinha do campo, mentrasto, favaquinha e alecrim.

Seu dia teria inicio muito antes do sol nascer. Sairia da cama as quatro horas, primeiro um bom banho quente para dar ao corpo o ânimo necessário. Depois reavivaria as brasas do fogão a lenha que durante toda a noite serviu de aquecedor natural da casa. Sobre a trempe ainda quente, colocaria o bule de litro e meio já com a água e o açúcar, sobre a garrafa o coador com o café que ele mesmo havia colhido, torrado e moído. Depois de passar o café levaria uma porção na caneca esmaltada para a mãe que ainda dormia pesadamente.

Dois ovos aquecidos, uma caneca de café, um pedaço de broa de milho e uma fatia de queijo feito por ele com o leite tirado ali mesmo e pronto, já podia começar sua jornada.

Primeiro ligar os extensores para molhar a horta antes dos primeiros raios de sol, depois a ordenha e então soltar as vacas para a mamada dos bezerros. Levar o leite para a cozinha e já colocá-lo no fogão para a fervura. Depois conferir se os extensores deram conta do recado e deixaram a horta bem molhada para suportar o intenso calor do dia que se anunciava. Colheria então legumes e folhas para o almoço. Uma passadinha no paiol, algumas espigas de milho maduro, debulhava, e aquela festa no terreiro da cozinha, centenas de cabeças de galinhas e patos a disputar cada grão.

No barracão de ração, a mistura de milho e farelo em uma porção de água para a vara, pretensão, eram apenas quatro cabeças a fuçar e roncar desesperados de fome. Enquanto se debatiam no cocho, uma lavada no cimentado do interior para evitar o mau cheiro típico e garantir a saúde da criação.

A essa hora o sol já ia alto, devia ser nove horas. Uma passadinha rápida em casa para mais uma xícara de café e ir cortar o capim, depois moer, misturar ao sal, e levar ao cocho para o gado.

Havia muito que se fazer, mas não teria desanimo, sentia-se imensamente feliz naquela vida, bem diferente da vida desregrada e fútil que levava na cidade.

Limpar o pomar, concertar a cerca, retirar as folhas jogadas no pátio da cozinha, concertar o telhado do curral, colher os ovos, retirar o esterco do curral, ensacar de botar para secar, depois armazenar para quando a horta estivesse precisando. Sempre sobrava, então venderia, obtendo assim uma renda a mais.

No almoço, teria arroz, feijão, quiabo, frango, macarrão com ovos, salada de alface com cenoura ralada, beterraba. Para acompanhar suco de laranjas, natural.

No final do dia, quando o corpo já demonstrasse a fadiga pelo esforço do trabalho, iria para casa, um bom banho, um gole de cachaça para aliviar, sentar na varanda, esperando a noite cair, lentamente. Admirar o céu estrelado na noite escura e ficar deslumbrado com tanta beleza, nunca vista antes, brilhos ofuscados pelas luzes da cidade. Como pode viver tanto tempo sem contemplar tanta beleza?

Era isso que seu coração desejava para sempre, talvez, seus amigos nunca fossem compreender seu novo modo de viver, mas ele entendia, ele soube escutar o que sua alma desejava, embora tardiamente.

E com esses pensamentos iria para seu quarto, não sem antes dar um beijo de boa noite na pessoa que mais amava nesse mundo: sua mãe. No quarto, em meio à escuridão que só ali naquele recanto, seu mundo particular, poderia encontrar, adormeceria, agradecendo a Deus a dádiva de ter descoberto, ainda jovem, a verdadeira magia de viver.

Seria eternamente feliz vivendo assim.

Luciano de Assis
Enviado por Luciano de Assis em 11/09/2011
Código do texto: T3213562
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