Carpe Diem, querida!

O dia estava nublado, como estava ela mesma. Mesmo assim já havia decido sobre sua ida a praia e ainda que chovesse canivete lá estaria ela com um guarda-chuva de chumbo. Na verdade, ela não estava nem aí para a chuva... Não estava nem aí para nada! Chovendo seria ainda melhor – se lavaria gratuitamente do salgado do mar. Com certeza ia ser uma boa disputa – salgado contra amargo. Quem venceria esse duelo?

O amargo é muito amargo, mas além de salgado, o mar, é decidido e tranquilo, duas características que o seu amargo não tinha... Nem ela nunca teve, na verdade.

Tomou o cartão de passagem, o celular, seus fones, óculos escuros, uma squeeze com água supergelada, suas sandálias e partiu para debaixo do nublado céu.

Entrou num ônibus relativamente vazio. Olhou para todos e para ninguém ao mesmo tempo. Sentou-se. Pôs os fones e curtiu sua viagem, além da viagem de pensamentos, é claro. Navegava longe neles quando pingos de água atingiram em cheio seu rosto. Ela já havia chegado ao litoral e chovia.

Saltou. Olhou para o céu e uma imensa nuvem cinza e densa pairava sobre sua cabeça. Em contrapartida o mar reluzia um azul deslumbrante sob o poderoso sol sobre ele. Olhou mais uma vez para a nuvem sobre si e o sol adiante. Riu-se: “ah é, bastante apropriado!”.

A chuva caía sobre ela, no entanto quem a via poderia jurar que estava imune as gotas pesadas que lhe molhava inteira. Caminhou até a barreira de cimento entre a calçada e a areia da praia. Sentou-se. Desligou a música melancólica que vinha do aparelho. Enrolou os fones e colocou-os no bolso. Estalou os dedos, cruzou-os colocando os braços ao redor dos joelhos dobrados contra o peito. Jogava-se para trás olhando para cima e as gotas mais leves agora, caiam-lhe bem nos olhos. Baixou a cabeça e fechou os olhos. Tão calada. Tão quieta, mas por dentro um turbilhão a consumia.

“Você vai morrer... porque não morro logo então? Na verdade, eu não realizei metade dos meus sonhos... isto é mesmo justo?”. As lágrimas se misturavam às doces gotinhas de água da chuva que iam embora.

“Uma adolescente que já era mulher... uma mulher que só queria ser uma menininha agora. Que merda eu fiz na minha vida?” abriu os olhos e a grande nuvem cinza agora se misturava as outras branquinhas que compunham um céu completamente diferente do que há 10 minutos a recebera. “Talvez fosse melhor continuar chovendo, droga!”. Pessoas se movimentavam agora na praia. Para lá, para cá, em grupos, individualmente, sérios, sorrindo. Já não se escondiam das gotículas de água.

Olhou para aquelas pessoas rapidamente, pediu intimamente para que nenhuma delas a reconhecesse. Fixou os olhos no mar em seu monótono movimento de ir e voltar. Vai e volta eternamente! Aquele som é realmente reconfortante... As lágrimas brotavam novamente num frequência própria de quem anseia sanar uma dor lancinante.

Alisava a perna enquanto as lágrimas já lhe inundavam o rosto. Sua roupa úmida agora colava-se ao corpo e a deixava agoniada. Puxou-as tentando descolá-las de si. Enxugou o rosto com as costas da mão e... Começou a tossir. Tossiu alto e as lágrimas brotaram novamente. Tossiu outra vez... Forçava-se para frente e continuava a tossir. “Droga!”. Ela se engasgou, mas com o que? Ar? Fez de tudo para que o ar mal instalado seguisse o seu curso e nada. Tossiu, tossiu. Tossiu! “Inferno... não acredito que vou morrer engasgada e numa praia!”. Tomou um gole d’agua e o pôs para fora em mais um acesso brutal.

Alguém bateu com força em suas costas, mas sem machucá-la e... tcharam. O ar passou. Arfante e com as lágrimas escorrendo em olhos arregalados tentou agradecer àquela mulher com olheiras e muito pálida que a olhava com tamanho interesse, de sorriso largo tomando todo o rosto.

- o-o-bri-ga-ga-da!!! – tentou sorrir, mas só conseguiu uma careta.

- ei, beba um pouco desse líquido. É agua, né? Beba um pouquinho!

Virou o squeeze na boca fechando os olhos com o alivio que passou pela garganta ardida.

- agora respira, tá? Respira fundo e solta. Respira e solta. Respira... e solta – falou seguindo o ritmo do mar.

Ela achou graça do tom de voz da mulher pálida, “como se tudo na vida se resolvesse com essa ladainha de ‘respira e solta’”...

- nem tudo se resolve assim, mas muita coisa sim! Já diz meu terapeuta!! – e caiu na risada.

A jovem apenas olhava para ela abismada... “ah, está explicado. Ela é louca. Será seguro ficar aqui... com ela?”. Olhou em volta. Não havia ninguém por perto. As pessoas passavam rapidamente por elas.

- ah... Obrigada mais uma vez, seria uma grande ironia morrer engasgada... Com o vento!

A mulher pálida riu alto jogando-se para trás.

“o que é tão engraçado? Ah. Não esqueça que ela é louca!”.

- a nossa vida é a nossa melhor piada. A nossa trajetória é uma perfeita comédia! Imagina uma pessoa como você saudável, cheia de vida vem à praia e morre engasga com o vento, enquanto pessoas estão entre a vida e morte no hospital após um grave acidente, ficando não sei quanto tempo em coma e depois... sobrevive – a mulher pálida cai a gargalhada novamente! – isso é no mínimo engraçado!

“ah não é, não mesmo! Esse papo de hospital não, pelo amor de Deus!”. Sente um arrepio e olha severamente para aquela mulher.

- mas no meu caso... Bom... Só adiantaria as coisas.

- ah é? No caso de qualquer outra pessoa também – disse a mulher pálida ainda sorrindo e olhando para as ondas que brincavam na praia, em seu ir e vir.

- você não entendeu!

A mulher pálida virou-se lentamente ainda sorrindo para olhar nos olhos da jovem.

- não?

- não. Eu vou morrer.

- ah! Você está vendo aquela menininha ali nas pedras? Ela também vai. E aquele senhor lá adiante? Ele também! E até eu mesma.

- é! Mais estou doente e sei que vou morrer – disse irritada.

- e eles? Estão sadios, mas sabem que vão morrer! – a mulher pálida lhe deu um largo sorriso – doentes ou sãos todos vão morrer.

“droga, que mulher irritante!”

- é eu sei! Mas no caso... Bom eu tenho um prazo. Não tenho escapatória... Eu vou morrer – enfatizou o “morrer” abrindo bem os olhos para a mulher pálida.

- ninguém morre até que morra! Você tem tantas chances quanto qualquer um de nós.

- do que vc está falando? – disse exasperada, olhando fixamente para mulher à sua frente incrédula de que estivesse discutindo tal assunto. “que criatura mais sem noção, irritante demais!” – mas... Mas eu estou doente e vejo a morte de perto. Sei que não há escapatória.

A mulher pálida suspirou profundamente com exasperação, mas sem tirar os olhos da jovem.

- olha – disse a mulher serenamente, desviando seus olhos para o mar em seu monótono movimento sem se ater aos ânimos a beira – nenhum de nós tem escapatória. Ao nascer o que há de mais certo é a morte. O que varia são o “quando” e o “como”, nem o “onde” é importante. Por pior que seja a sua doença a maior delas já te acometeu muito antes – você nasceu! Assim você startou o processo... Vc vai mesmo morrer! Mas... – virou se para olhar novamente nos olhos marejados da jovem – ninguém morre até que morra!

A jovem a olhava fixamente. Alguns segundo se passaram e ela olhou para as águas azuis no horizonte iluminado pelo sol forte.

- enquanto há vida, há esperança.

- Carpe Diem, querida. Aproveite! O tempo é sempre suficiente! Parece curto, mas é longo para quem espera a morte chegar deitado. Ela virá, mas enquanto não vem... viva!! Veja quanta beleza há ao redor... e dentro de você!! Repara que sorriso lindo você tem. Olha esse espetáculo de céu!! Sair. Dançar. Amar! Porque o amor cura qualquer coisa. Qualquer coisa, heim? – lançou-se um pouco para frente para tentar olhar nos olhos da moça que estava de cabeça baixa e chorava. Elas se encararam – veja as pessoas. As ame ainda que seja tão difícil... essas são as que realmente precisam do seu amor. – sorriu largamente até os olhos brilharem – faça valer a pena, ainda que poucos minutos lhe restem.

“Essa louca tem razão”. A jovem deixava suas lágrimas seguirem o seu curso natural. Todos vamos morrer e não é uma doença quem determina isso, mas o simples fato de nascer. Carpe Diem... Mais uma ironia! Aquela mulher, meio louca, ensinar-lhe aquilo... tão cara lição.

- o que você tem?

- câncer...

- ah! – suspirou a mulher pálida, triste.

- estômago.

- eu também tenho um câncer...

“nossa!! Que surpresa triste. Não. Como pode?” a jovem olhou espantada para a mulher pálida que olhava a ligação entre o céu e o mar logo adiante, sorrindo agora. Não esperava ouvir isso dela. Teve compaixão dela. Quis abraçá-la e chorar com ela. Dizer que não há morte até que se morra. Mas disse apenas:

- de que é o seu câncer.

- Mente. O meu câncer é na mente.

A jovem acordou num sobressalto. Bateu na cama e chorou, chorou. Levantou-se da cama o dia estava nublado, mas havia um raio de sol ao longe. Vestiu-se e saiu, a praia a esperava... “ninguém morre até que morra... Carpe Diem, querida” - Disse para si e saiu!

Leila Barreto
Enviado por Leila Barreto em 02/02/2013
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