Mariana

Parece que foi ontem que ela me pediu para ficar; pedir foi pouco, implorou. Seu bafo de uísque veio em cheio na minha cara. Virei o rosto. A fumaça de seu cigarro de baile inundou o meu apartamento. Abri as janelas. Precisava me livrar daquele cheiro imundo que impregnava todo o meu corpo. Fechei-as depois, havia pessoas nas janelas do prédio da frente. Detesto esse cheiro quando já estou em casa. Fica enjoativo. Eu queria me livrar dela...

Ainda lembro da noite em que a conheci numa boate em Ipanema. Ela, com seus cabelos lisos e negros, dentro de um longo vestido preto e decotado, mastigando um chiclete qualquer, me olhou. Seu olhar lhe denunciava: estava só; mais que isso, carente, pude ver em seus olhos. Veio se requebrando em minha direção ao som de uma música da qual não lembro mais. Sua boca, de súbito, invadiu a minha numa loucura total. Parecia estar drogada, bêbada, algo assim. Tentei sair fora, não tive chance; ela beijava bem, não tinha mais como fugir. Ela colou em mim. Pude sentir seus seios grandes e macios contra o meu peito. Suas mãos se espalhavam em meu corpo, tórax, costas... Explorou cada centímetro de meu abdômen. Tarde demais. Entreguei-me. Dançamos uma música de ritmo alucinante. Mais uma dose de uísque e Red Bull desceu garganta abaixo. A hora voou.

Entramos no carro e fomos para o meu apartamento. Já era dia, pude perceber pelas palavras do porteiro: "Bom-dia, doutor". (Era assim que ele costumava chamar os moradores do prédio). "Bom-dia", respondi. Entramos. Um bom banho poderia botar mais lenha na fogueira. Reavivar mais, talvez. Confesso que eu estava bastante cansado. Precisava dormir. Impossível! Mariana estava elétrica. (Ela me falou seu nome horas depois — também não importava muito se tinha nome ou não. Quem ligaria para esse detalhe àquela altura?) Fechei as cortinas. O calor me invadiu. Liguei o ventilador. Que barulho dos diabos! Refrescar que é bom, nada! Não, não tinha ar-condicionado. As últimas latinhas de cerveja foram consumidas. Ainda restava um espumante que eu havia ganhado no Natal. Por incrível que pareça esse tipo de bebida não me agrada muito, prefiro 'destilados'. Por fim, minha última garrafa de uísque importado estava sendo servida.

Depois de muitas loucuras, um descanso, enfim. Sua voz ebriosa diz que me ama. Fecho os olhos e ponho as mãos nos ouvidos, não quero ouvir aquilo. Ela lambe meu pescoço, acho nojento e a empurro para o lado. Está completamente bêbada. Dormimos.

Uma terrível dor de cabeça me atormenta. A ressaca, maldita ressaca! Mariana ainda dorme um sono profundo. Que loucura! Quem é essa maluca? Olho-a admirando suas belas curvas, coxas grossas e torneadas, pele azeitonada e macia. Beijo-a suavemente. Ela se mexe, ficando de bruços; só agora percebo o quanto é linda. Sinto vontade de abraçá-la.

Dias depois ela me liga. Pergunto onde conseguiu meu número. Pegou com o porteiro. Mato aquele desgraçado! Não quero compromisso. Ninguém me enchendo o saco. Essas mulheres têm mania de colar na gente.

As ligações passam a ser constantes.

Grávida. Sim, grávida. "Há dois meses a menstruação não vem." Só pode estar grávida. Não sei rezar, mas digo a Deus qualquer coisa. Prometo ser bonzinho, dar esmola aos pobres, ir à missa, qualquer coisa... Mas gravidez não.

A campainha toca. Mariana entra feito um furacão. "Por que não me atende mais?" Empurro-a contra a parede, ela não revida. Grito, furioso, que nunca a amei, não a amo. "Um filho." Mil coisas passam em minha cabeça. A boate, o beijo... O primeiro beijo. Foi ali que tudo começou. Ela tenta me beijar, diz que me ama. Empurro-a para longe de mim. Vidros se quebram. Gritos. Ambulância. Minha vista escurece. Um gélido metal agarra meus pulsos.

Anos se passam.

Olho a janela, o vidro ainda quebrado me assusta. Quatro horas da manhã e o calor está insuportável. Ligo o ventilador que faz mais barulho do que refresca o quarto. Estou sozinho; Mariana há tempos se foi. Lágrimas escorrem em meu rosto; coração, fígado, tripas, tudo está encharcado de amargura. Ela surge no espelho, linda, com suas botas longas, um batom vermelho-sangue em seus lábios: é sangue! Seu vestido se espalha com o vento jogado pelo ventilador. Já não sou apenas lágrimas e suor; sou medo e desespero, sou ânsia e vômito.

O vidro quebrado da janela por onde entram fantasmas e loucuras. A pureza de um amor manchada pelos negros desejos de um homem de pensamentos lascivos e impuros. A solidão me abraça.

Olho a rua. Nos guetos e vielas homens e ratos dividem o mesmo espaço. Não sou digno de tanto.

João Félix
Enviado por João Félix em 30/03/2007
Código do texto: T431916