O Catador de Caranguejos

Adaptação da Crônica: Vida de Caranguejo, publicado neste Recanto.

Da lama ao prato. Assim, na ótica do catador resumia-se a vida do caranguejo. Madrugada, quase manhãzinha e lá se foi o homem em busca do alimento. Insólito, espreitou e aguardou por mais um dia de sucesso.

A caçada não parecia muito fácil, mas o homem insistiu, buscou, cansou e trouxe a refeição da família. E todos os dias ele imaginava uma vida melhor, que ao menos pudesse garantir um futuro próspero e digno para a esposa e filhos. Eles viviam numa casa pequena às margens do rio, porém, com dignidade, educação e respeito ao próximo, podiam tocar a vida em frente.

Certo dia eu parti, rumo às palafitas da maré e conheci o seu Ziraldo, o Senhor dos Caranguejos. Inicialmente fui muito bem recebido e a chegada em sua moradia construída às margens do Rio das Salinas se tornou agradável, pois sua modesta família me recebeu muito bem.

- Olá, boa tarde, quase boa noite!

- O meu nome é Olavo. Sou ambientalista e por causa da dedicação do Seu Ziraldo com os caranguejos, cheguei até aqui para conhecê-lo melhor.

- O prazer é todo nosso. Confirmou Dona Bernadete, a sua esposa.

- Entre e sente-se.

- Aguarde um instante.

- Aguardarei. Muito obrigado!

Sufocado na lama Seu Ziraldo acreditava que tudo podia mudar pra melhor. Com o pensamento de prosperidade matriculou os dois filhos, Hamilton e Cleiton, na escola do bairro. A idade dos meninos girava em torno de dez e doze anos. Felizes e com espírito de meninice, os garotos brincavam e corriam por entre as tábuas que ligavam uma moradia a outra. Eram verdadeiras ruas, nas quais os menores vacilos poderiam custar um belo banho de maré.

Muito curioso perguntei ao Seu Ziraldo:

- E como o Senhor pode explicar como são esses tais caranguejos? O homem respondeu sem pestanejar.

- São maravilhosos bichos de olhos esquisitos, que mais parecem antenas;

As suas patas, por sinal, são em formato de pinças e servem para pegar o alimento, enquanto o corpo possui uma carcaça dura e resistente; e

- Quando sentem a presença da gente, se escondem nos seus esconderijos sombrios e cheios de lama do mangue.

- Então, Seu Ziraldo, no mangue a vida acontece e a vegetação mistura-se com o sal, e o sal da água mistura-se com a água da maré.

- Verdade, no mangue tem muita vida, meu jovem rapaz.

- Isso mesmo, Senhor Ziraldo, as raízes são verdadeiros respiradouros que absorvem o ar puro da natureza, enquanto as sementes flutuam na água e garantem a reprodução dos peixes e pássaros que chegam naquele lugar.

A conversava com o Senhor dos Caranguejos se estendia e a noite tornava-se cada vez curta. Dizem que tempo é ouro e realmente, para aquele cidadão não dava para se jogar conversa fora.

A esposa não ligava muito para as travessuras dos filhos, talvez devesse ao fato de ter sido criada naquele meio de becos interessantes, e que nada de mal havia lhe acontecido. Dava para perceber um ar de harmonia e tranquilidade no rosto castigado pelo sol.

A mulher apelava para que os garotos parassem com as brincadeiras de pega-pega e entrassem para dormir e descansarem da deliciosa jornada infantil:

- Meninos, entrem amanhã tem aula.

- Rapidinho, mamãe, espera mais um pouco. Respondeu Cleiton, o que aparentava ser o filho mais velho.

Em seguida os moleques tomaram banho e foram para as suas camas-beliche, num cubículo apertado da casa.

Continuei a dar explicações sobre o assunto.

- Seu Ziraldo, os manguezais estendem-se do norte ao sul do país, tudo numa paisagem de uma beleza espetacular. Desenhado no litoral brasileiro, é o principal local de parada de muitas aves, peixes e de outros animais marinhos que dependem dele para sobreviverem.

- Seu Ziraldo, o Senhor sabia que a poluição e a construção desordenada de casas, condomínios e hotéis são as principais causas de destruição e do desaparecimento de muitos manguezais no Brasil?

- Não sabia disso, apenas posso dizer que os bichos têm sumido e cada vez mais está difícil de encontrá-los na lama do manguezal. Respondeu o catador de caranguejos.

- Verdade, Seu Ziraldo, cada vez mais, áreas são utilizadas para construções, até mesmo de vias públicas.

- Cuidarei melhor dos caranguejos e somente os catarei para o próprio sustento e da família. Completou Seu Ziraldo.

- Muito obrigado, Seu Ziraldo, durma em paz!

Palafitas flutuam às margens das águas, onde o Senhor dos Caranguejos repousa em paz. Contudo, diante de tantos impactos ambientais, morreram os caranguejos e a vida do homem escapou por um fio. Da lama do mangue o homem sobrevive – por vezes destrói – e dele retira o sustento. Ele, confiante e com os braços enterrados na lama, capturou mais um caranguejo, dos poucos que ainda restaram.
 

(Imagem: acervo do autor)

 

Gleidson Melo
Enviado por Gleidson Melo em 03/06/2014
Reeditado em 03/06/2014
Código do texto: T4830948
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