A Caminhada

Todos os dias Custódia andava quase dois quilômetros até o rio para encher o pequeno balde com água salobra, que servia para beber, lavar o rosto e dar de beber a duas galinhas que criavam.

A mãe, doente, pouco se levantava, ficava na cama esperando pela sua assistência. Um dia, em uma de sua lidas para buscar água, conheceu Pedro, um rapaz bonito, de pouco mais de dezenove anos, que lhe ajudou a retirar a água turva do rio.

Ele também sobrevivera aos trancos e barrancos. Durante a conversa, combinaram de se encontrar à noite na festa que haveria na praça. A praça estava enfeitada para receber os moradores e as poucas barracas de comida. Venderiam milho assado e curau de milho doce em pequenos copos.

Custódia vestiu seu vestido amarelo, o único que tinha, além do shorts que usava de dia. Encontrou-se com Pedro, que também estava arrumado.

Os dois sorriram um para o outro e, como numa atração, em poucos minutos estavam de mãos dadas, conversando sobre o sonho de um dia saírem de lá para terem uma vida melhor.

Assim, de mãos dadas, rindo e viajando um no sonho do outro, se beijaram, sob a luz da lua cheia, que deixava Custódia mais linda. Era tanta carência de tudo, que queriam trocar as poucas palavras que nunca haviam dito a ninguém. Caminharam até o rio, trocaram beijos e mais beijos de desejos e, por alguns momentos, esqueceram suas outras necessidades, entregaram-se um ao outro e trocaram juras de amor.

Depois daquela noite de amor, Pedro desapareceu. Custódia caminhava todos os dias até o rio e ficava por um bom tempo esperando para ver se ele aparecia.

Ela pensava em Pedro, nos sonhos e planos que fizeram sob o luar daquela noite.

Com o passar dos meses, foi sentindo uma transformação em seu corpo, que sua mãe já conhecia bem.

Após nove meses nasceu José, um bebê franzino de pouco mais de dois quilos. Agora, em sua caminhada até o rio, não ia mais sozinha.

Por alguns meses, continuou levando o Zé no colo e o balde na outra mão; depois, ele já cambaleava sobre suas perninhas, segurando a mão de Custódia, os dois em direção do rio.

Olhou do alto do morrote e avistou Pedro, sentado em uma das pedras arredondadas.

Aproximou-se dele, lentamente, olhou para seus olhos e disse:

- Segure este menino, não negue a mão para seu filho, Pedro! O nome dele é José! Pedro, com os olhos cheios de lágrimas, abraçou Custódia e pegou o filho no colo.

Viveram juntos a vida melhor que conseguiram, dentro do amor que brotou numa noite de festa.

A libertação

José estava com quase dois anos, e sempre olhava para o sol. Como era quente e forte seus lindos raios dourados!

Dia após dia, nenhuma nuvem no céu, e a fumaça nas rachaduras no leito do rio avisava o quanto estava quente e seco. Do rio, só restaram algumas poças de água suja, onde todos bebiam.

A criança já não sentia mais sede, estava entorpecida pela fome e prostrada pelo calor. Custódia o consolava, contando a ele a mesma história sobre a chuva que a sua avó contava para a sua mãe: um dia ela passaria a cair na terra e brotariam, de cada pingo, caules verdes de esperança para alimentar a todos do local.

Ele não deixava de pensar o que seria a chuva: deveria ser algo muito bom, pois sempre que o sol amainava, todos olhavam para o céu, esperançosos e falando nela.

Dia após dia, sua mãe ficava mais triste e a sua pele mais rachada como a terra. E assim seguiam vivendo os dois sozinhos, depois da morte do pai.

Certa vez ao abrir seus pequenos olhos, viu um horizonte diferente: era lindo! De uma cor branda e vibrante, a qual nunca vira antes. Era como se a calma refrescasse seus olhos, sua barriga já não doía, os pássaros coloridos o rodeavam cantando em sua volta.

A mãe, ao seu lado, estava com o olhar tranquilo, e sorria para ele dizendo:

-Zé, ela veio! Eu não disse que viria? Veja, agora já pode correr e brincar com os outros, pois as forças não vão lhe faltar, veja aquela árvore! Olha, Zé, quantas frutas!

O menino sorrindo olhou tudo em sua volta: o sol já não parecia quente, era lindo e sereno. Aos seus pés havia uma relva verde e suave, tudo igualzinho ao que sua mãe lhe disse.

E ele correu feliz.

Agora já não faltava mais nada, nem comida e nem água.

Só importava o outro lado de Deus.

Joaquina Affonso
Enviado por Joaquina Affonso em 11/07/2019
Reeditado em 29/10/2019
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