Folha em branco

Um novo ano se inicia e Lia promete que este não será como os outros. “Quero fazer algo diferente”- pensa, mas o quê? Começar a fazer aulas de boxe? Aprender a tocar violino? Aprender alguma língua européia? Começar a escrever um livro? “Tenho trabalhado tanto, queria incluir uma atividade diferente no meu dia a dia” - lamenta.

O problema na verdade não era iniciar algo, mas terminar, algo que Lia era incapaz de realizar.

Mas não, não iria pegar algo inacabado e continuar dali, queria algo novo, diferente acima de tudo.

* * *

Dezembro de 2010, 23h59min, em algum lugar... Algum lugar?

Vertigem, queda...

Que lugar é este?

O local era surreal, o piso do chão parecia um tabuleiro, as janelas tinham arame farpado impedindo que alguém entrasse... ou saísse, seu relógio estava sem ponteiros e todo o resto da mobília do suposto quarto estava de cabeça para baixo, exceto curiosamente por um pedaço de folha sem linhas em branco, que estava cuidadosamente sobreposto em cima de uma mesinha de tamanho normal, com uma cadeira em frente e um quadro, com a palavra “SIM” estampada, na qual quando sentasse na cadeira, a pessoa ficava de reto com o escrito, fora isso não havia mais nada, não havia mais ninguém.

“Como saio deste lugar?”

O mais estranho era que não era um local desconhecido, era seu quarto, exceto pela mesa, a folha e o quadro. Nunca gostou de escrever para ter uma mesa e conseqüentemente folhas de papel é praticamente quase extintas naquele recinto, exceto por um caderno com algumas anotações sem importância, jogado em algum lugar. Quadros então, nunca achou graça.

Ela se senta em frente à mesa e olha para a folha, uma única folha.

Então algo começa a acontecer, não exatamente o que ela queria, inclusive a ultima coisa que ela queria se tivesse imaginação suficiente para pensar que algo assim ocorreria.

O fundo branco da folha começa a tomar conteúdo, os traços são feitos com tinta preta e parecia estar sendo desenhados com força sobre o papel, devido ao negrito dos traços. Aparece aos poucos então, uma figura de um machado e algo usando um capuz negro, parecia com “A Morte”.

Neste instante Lia se vê em um lugar escuro, um breu, sente seu corpo em contato com algo úmido, era terra, mais uma vez não sabia onde estava, seu peito doía, então sentiu mais terra caindo em cima de seu corpo, não conseguia se mexer, não ouvia nenhum som, e não sabia por quanto tempo estava ali. Os punhados de terra são jogados lentamente, como se fizesse parte do processo, para aumentar o desespero. Lia agora passa a gritar, até sua boca ser também tomada pela terra.

Novamente sente uma dor imensa no peito e num piscar de olhos se vê em volta da mesa, com a folha novamente em branco. Suando, em sua posição inicial, sentada, ereta, ela tenta entender aquilo tudo.

“Maldito papel, não quero mais participar desta brincadeira”

Abruptamente surgem traços, esboços, uma fina linha formava um caminho e novamente Lia é “posta” em outra dimensão.

Era um caminho, com pedras, abrupto, não muito claro, ela andava, andava, andava, até perder o sentido da “realidade”, de tanto que andou e nada de aparecer alguma coisa, ou chegar a algum lugar. Então uma brisa começa a assoprar ate virar vento, vento que se transforma em ventania, que vem do sentido contrário, dificultando mais ainda sua caminhada. O problema é que ela não podia voltar, a cada passo, tudo atrás sumia, se tornava NADA, então era melhor continuar, mesmo com aquelas circunstâncias.

Quando suas pernas já não estavam mais agüentando, ela se viu finalmente em um lugar bonito, a chão duro se tornou um gramado macio, o sol apareceu de algum lugar, brilhava sem irritar os olhos, era lindo, e um rio se formou à sua frente, limpo, uma paisagem digna de um quadro. “Agora sim, quero ficar aqui”.

Não deu tempo de curtir e se viu novamente no quarto, aquele momento bom durou tão pouco, que nem valeu o tempo que caminhou, as imagens vieram tão rapidamente, como se foi, não dando tempo de assimilar em sua mente.

Mal se recupera e os traços começam a dar vida em um novo desenho, “de novo não”, mas não, desta vez parecia uma palavra, escrito bem forte, em letras de forma: “NOVO”

Como num súbito, Lia acorda suando, olha ao redor do seu quarto, tudo como antes, a janela escancarada, para quem quiser sair ou entrar, sem arame farpado, o relógio agora com seus ponteiros marcavam 1 da manhã, a lâmpada em cima, a cama em baixo, sim, tudo voltou ao normal, mal deu um suspiro de alívio, quando...

Mas o que?... Como aquilo foi parar aqui?. “Eu sei que não estou sonhando”, pensou Lia estarrecida. O quadro com a palavra “SIM” estava em sua parede. “Mas como...?” e então, mal digerindo a informação, ao virar o olhar, ainda não entendendo o quadro, transpirando e com o olhar arregalado, Lia olha sem entender, sem apresentar qualquer ação sobre a visão, não sabendo como traduzir em pensamentos, a mesa e a folha de papel EM BRANCO estavam no mesmo lugar.

Nisso um ponto preto surge na folha...

HORROR