Memórias Mórbidas

Pega mala, escolhe roupa, os sapatos, e na parte lateral, futilidades, acessórios de beleza e um caderno sem nada escrito, nem tão grosso e nem tão fino, com poucas páginas.

Dayane se prepara para viajar, sem destino. Com apenas uma mala, toda desgastada, juntou apenas o essencial. A maquiagem? Apenas um lápis de olho, batom e sombra preta. Seu estranho gosto pela cor vai além, a maquiagem é apenas um adicional, suas roupas e sua alma a completam, deixando-a assim no total crepúsculo.

A viagem sem destino não fora programada, o colapso e a exaustão levou a tomar medidas drásticas, pela dramaticidade de sua vida. A escuridão não fazia parte apenas de seu gosto extravagante pelo figurino, sua alma triste e desesperançada lhe acompanhava, mas o exterior, belo, cheio de luz e cores de nada lhe serviam, não chamava-lhe a atenção, aquele “mundo” não fazia parte do seu. A natureza, a arte não tinham-lhe graça, sentido.

Analisando de fato, se esperava. Família desestruturada, pai, palavra desconhecida em seu dicionário interior, estava desaparecido, mãe usuária de entorpecentes e o irmão dois anos mais velho acusado de envolvimento por homicídio. Fugir daquele mundo era sua única alternativa, não havia se “contaminado” por inteiro, havia uma semente de esperança por germinar, e a podridão daquela terra haveria de impedir. A viagem seria sua fuga, seu escape.

Possivelmente ninguém teria “tempo” ou sequer alguma vontade de sentir sua falta.

Com algum dinheiro, suficiente para comer duas noites e viajar cerca de 600 km, Dayane compra uma passagem de ônibus para o mais longe possível. Enquanto seguia viagem, seu toca fitas, com as pilhas já fracas, executava um som de uma banda alternativa, com guitarras distorcidas e refrão melódico. Seu estilo musical preferido.

Enquanto ouvia repetidas vezes a mesma fita, o ônibus seguia rumo. Em seu caderno, escrevia poemas misturando solidão e sofrimento com desejos de conhecer a outra face, a alegria e o amor. Seu caderno, com poucas páginas estava esgotando-se, e tudo retratado nestas folhas resultava de sua vida fútil. Ela não registrou nada na a última folha, havia guardado-a inconscientemente para alguma ocasião.

Após chegar a uma pequena cidade, no interior de um estado cheio de conflitos interno políticos e sociais, a menina de apenas dezenove anos, sem dinheiro algum, segurando um saquinho de salgadinhos, senta em um banco público e termina de comê-los. Segue para o cemitério da cidade, por auxilio dos moradores, onde pedia informações. Para ela o cemitério era um local calmo onde podia ficar em paz com seu espírito, podendo escrever, pensar sobre sua vida e descansar sem ser incomodada.

Novamente apanha seu caderno e decide terminar de escrever a última página.

As últimas linhas liam-se: “_Mundo desgostoso! A escuridão me consome, me domina, termino os versos de minha vida, terminado a mesma. Meu exílio se cumpriu, sucumbiu, poderei descansar e terminar o que não comecei em outras terras, se morresse em meu ninho, em vão seria meu caminho, distante, descansaria em paz”.

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