Blood On The World's Hands
(Baseado em fatos reais)

Por: Carlos Henrique Fernandes


“Está fora de controle
Sangue nas mãos do mundo
É o nosso epitáfio
Está fora de controle
Alguém devia saber
Sangue nas mãos do mundo”
Iron Maiden
 
            Nos últimos cem ciclos nosso governo acompanhou com expectativa o acentuado desenvolvimento de uma raça humanoide, habitantes do terceiro planeta do sistema solar vizinho, com a finalidade de estabelecer relações diplomáticas e comerciais. Sua tecnologia de propulsão de naves espaciais ainda era obsoleto, mas o futuro parecia promissor para o nosso projeto. Algo aconteceu naquele planeta e em pouco tempo causou a sua destruição.

Uma de nossas naves encontrou em meio aos destroços do planeta um satélite de observação à deriva e o conteúdo da caixa preta relata a destruição do planeta. Ao saber do teor do registro nosso governo ordenou o retorno imediato de todas as naves e que as redes de proteção fossem erguidas.
            O registro encontrado é o seguinte:
 
            “Data terrestre: doze de janeiro de 2.008 (calendário cristão)
            Identificação: ****** ******** ********* ***** (astronauta)
            Origem: Planeta Terra, País Brasil, Cidade São Paulo, Base de Guarapiranga
Posto de trabalho: Satélite Tripulado Ordem e Progresso
Registro de ocorrência: Fim do mundo
 
Restam-me poucos minutos de oxigênio. Existem muitos destroços da Terra por aqui e mesmo estando em órbita no lado escuro da Lua, sofri um impacto direto na turbina principal de propulsão e não posso ir a lugar nenhum, como se houvesse algum. Ainda por cima o tanque principal de água está vazando e não consigo mais produzir oxigênio e esta é a última garrafa de emergência.

No dia doze de janeiro de 2.007, às quinze horas, horário de Brasília, na Cidade de São Paulo, dois acontecimentos mudaram a história do Brasil e do mundo. Um deles, motivo de orgulho para um povo carente de vitórias nacionais; o outro, causa do fim do mundo.

Na Rampa de Lançamento I da base Guarapiranga, ao lado da represa, na Zona Sul da cidade, às quinze horas, o satélite tripulado Ordem e Progresso (agora posso dizer que é um nome ridículo) foi lançado ao espaço numa missão de monitoramento da floresta amazônica; pelo menos foi o que a imprensa noticiou. Seria uma festa nacional, não fosse o que aconteceu do outro lado da cidade.

No bairro de Pinheiros, Zona Oeste da cidade, no mesmo horário, nas obras de ampliação da linha amarela da rede de transporte metroviário, uma das paredes do túnel cedeu e uma enorme cratera surgiu a céu aberto. As autoridades tomaram providências imediatas: obstrução do trânsito na Marginal Pinheiros por tempo indeterminado e evacuação das residências próximas. Um trecho de uma rua lateral ao canteiro de obras foi engolido e havia a possibilidade de carros e pedestres estarem soterrados.

Foram as primeiras vítimas, não do acidente, mas de uma coisa pior, muito pior. Pensávamos que aquela cratera era apenas um desabamento. Estávamos enganados!

Por volta de duas horas da madrugada, horário de Brasília, do dia treze, fomos pegos de surpresa: a terra tremeu por seis vezes e daquela cratera surgiu uma luz vermelha, segundos depois ouviram-se grunhidos, urros, berros animalescos de monstros que de lá saíam pulando uns por cima dos outros. Aquela noite não amanheceu na cidade de São Paulo e o céu permaneceu avermelhado.

Vi essa mancha vermelha na camada de ozônio, nas coordenadas da minha cidade e, sem conseguir contato com minha base, tentei o Controle da Força Aérea Brasileira. Tomei conhecimento da realidade assistindo ao vivo a aniquilação da minha cidade. Monstros que só existiam nos pesadelos das crianças e filmes de terror dominavam as ruas torturando as pessoas com uma brutalidade incomum. A dor era o alimento deles.

As imagens em tempo real me causaram pânico; aquele pânico que causa paralisia muscular e intensa atividade sanguínea e respiratória. Não conseguia sequer fechar os olhos diante daquela selvageria irracional: coisas avermelhadas como capetas, de cara larga, olhos pretos e chifres curvados para cima, com unhas tipo garras e longos dentes caninos, sempre em grupos de seis pulavam sobre as pessoas e começavam a esquarteja-las com garras e dentes, estripá-las jogando vísceras para o alto numa festa de sangue, morte e estupidez irracional.

Como sempre acontece com notícias ruins, em menos de uma hora o mundo todo estava em alerta. Missas, cultos e outras formas de oração ecoavam em todo lugar. Era o momento de saber a verdade: quem venceria o Mal? O Bem? Quem seria capaz de dizer que sua fé era inabalável? Mas o Homem não podia ficar parado e não ficou! Os principais líderes políticos se reuniram, os religiosos também, e declararam guerra ao inferno: a guerra mais podre que já se viu.

O discurso era: “Vamos soltar nossos demônios interiores para vencermos os demônios exteriores!” Não demorou muito e os líderes religiosos uniram-se ao poder político declarando guerra armada ao Inferno.

Arsenais atômicos e bioquímicos que acreditávamos não existirem mais foram abertos, alianças, outrora impossíveis, se formaram, o mundo se uniu para combater o Mal Verdadeiro, ou que julgavam ser o verdadeiro! Decisões políticas importantíssimas demoraram a serem tomadas e todo continente da América do Sul foi tomado pelos demônios que saíam da cratera aberta no que um dia foi o importante bairro de Pinheiros.

Seis dias depois tomaram a primeira decisão: o lançamento de um míssil nuclear direto na cratera para fechá-la. A próxima decisão foi aniquilar os demônios que perambulavam irracionais pela América do Sul e um ataque bioquímico foi lançado de uma distância segura: da Sibéria. Pronto! Não havia mais demônios... nem Brasil, nem América do Sul!
O Mal Verdadeiro foi exterminado! Vitória!
Mas aquele não era o Mal Verdadeiro!

Julgaram que a América Central funcionaria como uma barreira natural para proteger os Estados Unidos da América, mas não foi bem assim. Por um erro de cálculos a radiação e os efeitos do ataque bioquímico aniquilaram todas as três Américas e junto com elas o desequilíbrio da balança.

O Mal Verdadeiro mostrou sua face: a ira, a avareza e a estupidez. Novas alianças se formaram e o Inferno estabeleceu-se de vez na Terra. A Humanidade fragilizada mergulhou numa redistribuição geopolítica animalesca em que os outrora pertencentes ao terceiro mundo colonizavam, assimilavam e aprisionavam em campos de concentração ex-nações poderosas do primeiro mundo, reconfigurando Europa, Ásia e Oceania numa rapidez demoníaca!

Então tudo acabou de um jeito tão imbecil, tão estúpido, tão em desacordo com tudo...

Uma falha no sistema de controle do absurdo arsenal bélico da maior potência da atualidade, a Índia, fez com que seiscentos e sessenta e seis mísseis explodissem ao mesmo tempo e com eles toda a Ásia, toda a Oceania, toda a Europa, todo o belíssimo planeta azul...
Fim do registro, fim do oxigênio.”
 
Estamos em alerta para proteger nosso povo de qualquer ataque que possa ocorrer por parte dessas criaturas de origem desconhecida que aniquilaram o terceiro planeta do sistema solar vizinho. Medidas foram tomadas para rechaçar qualquer possível invasão; não há o que temer. Nosso poderio bélico é superior a qualquer outro nesse quadrante e nosso Departamento de Inteligência comanda a frota de naves mais poderosas que possa existir.

Este governo está empenhado em proteger seu bem mais precioso: o povo de *****.
 
— O Soberano saiu-se muito bem no seu pronunciamento, como sempre.

— E o humanoide resgatado? E a criatura?

— O humanoide está no hospital central cercado dos melhores cuidados e a criatura num lugar seguro, como o Soberano ordenou.

— Sigilo absoluto!

— Perfeitamente, Soberano.

— Ótimo. Alguma notícia da nave enviada ao sistema solar vizinho?

— Ainda é cedo, Soberano.

— E aquele ruído de fundo ouvido na gravação? Já descobriram o que é?

— O Laboratório de Dinâmica Sonora está analisando.


 
— Não entendo...

— O quê, Instrutor?

— O espectro da frequência desse ruído de fundo tem vários padrões em vários trechos, percebe?

— É interessante...

— É intrigante! Você pode parar de bater o pé no chão que está me desconcentrando, por favor!

— Desculpe, Instrutor, vou me controlar. É que esses padrões que vão e voltam me causaram uma certa inquietação...

— Também senti isso. Não consigo me concentrar direito.

— Será, instrutor, que é algum tipo de arma?

— Acho que não. Observe que existe uma voz falando de forma agitada dentro do ruído.

— Vamos ver o que o computador mostra... idioma utilizado no terceiro planeta do sistema solar onde houve a explosão... identificado com inglês...

— Vamos ver a tradução.

— Acessando banco de dados linguístico... traduzindo:
“Mas me sinto atraído pelas hordas que cantam o mal

Elas parecem hipnotizar
Não posso evitar seus olhos
Seis, seis, seis, o número da besta
Seis, seis, seis, o único pra você e pra mim”

— Deve ser alguma lenda. Encaminhe para o Departamento de História Extraterrestre para pesquisarem e vamos embora que esse trabalho foi muito cansativo. Por favor! Já pedi para parar de bater o pé no chão!

— Sinto muito, instrutor! Quase não consigo me controlar!

— Já ia me esquecendo! Temos que fazer o relatório para o Soberano com urgência! Deve ter sido isso que causou a destruição daquele planeta! Para de bater esse pé no chão!
 
CONTINUA
 
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Contadores de Histórias
Enviado por Contadores de Histórias em 06/05/2015
Reeditado em 18/05/2015
Código do texto: T5233020
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