Talvez Freud Possa Explicar
 
Moro perto de um estádio de futebol, por isso quando vi o tema guerra logo pensei em falar em guerras de torcidas.  Por que quem mora perto de um estádio sabe, que em dia de jogo a qualquer momento pode ter briga, não apenas brigas dentro do estádio, mas brigas nas proximidades.  Brigas que são verdadeiras guerras, eu mesma já vi gente tentando agredir a torcida rival com pedaços de pau fora do estádio.
 
Um amigo meu me indicou a história por trás dessa foto, que tem tudo a ver com o tema.  A foto mostra um pai defendendo seu filho durante uma briga de torcida, ou melhor, uma guerra.
 




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Tudo começou dia oito de dezembro, última rodada do Brasileirão de 2013, vários torcedores vestem a camisa de seu time como se vestisse um uniforme do exercito. Suas mentes estão preparadas para uma guerra que já tem local: Arena Joinville, em Santa Catarina, durante o jogo Atlético Paranaense e Vasco da Gama.
 
A guerra não demora a iniciar,aos dezenove minutos o árbitro da partida interrompe o jogo por falta de segurança.
 
Nas arquibancadas os torcedores que mais pareciam soldados iniciam a sua guerra. Os soldados da torcida do Atlético avançam na linha de frente do combate, empunhando um ódio como arma, qualquer ódio, e os soldados da torcida do Vasco da Gama, utilizando-se da máxima que reza que a melhor defesa é o ataque, vão para cima, empunhando, também, o ódio.
 
Nada de trincheiras, nada de metralhadoras giratórias , tanques de guerra, caças, mísseis,  porta aviões ou armas químicas,, só a bomba nuclear da diferença de uniforme.
 
Um soldado da torcida do Vasco da Gama cai e seus companheiros, preocupados em se proteger, deixam-no para ser estraçalhado pela matilha de soldados famintos; todos contra um. Chutes na cabeça ou onde pegar, a cabeça batendo no concreto da arquibancada, as mãos tentando em vão proteger qualquer coisa, já sem forças, o ataque da matilha continua com toda força, um dos soldados levanta os braços do inimigo para que os chutes dos companheiros sejam mais eficientes.
 
Jogadores do Atlético Paranaense correm para perto da briga e gritam o grito silencioso dos “inocentes” pedindo paz, rogando por um cessar fogo. Mas como acontece em toda guerra, os pedidos por paz foram ignorados.
 
Enquanto isso um soldado da torcida do Atlético vacila no campo de batalha e não percebe que é encurralado pelos soldados inimigos e, numa tentativa desesperada de sobreviver, corre para o lado errado e em um segundo, outra matilha gigantesca pula sobre ele; não tem espaço para todos e a impressão que dá é que para agredir o inimigo acabam agredindo os próprios companheiros que também tentam chegar à carcaça.
 
Mas o que pode justificar toda essa violência?  Talvez Freud possa explicar essa questão através do narcisismo das pequenas diferenças. Freud denominou de “narcisismo das pequenas diferenças” tudo que pode levar um grupo, um povo ou um país a visualizar diferenças que possam se transformar em rixas .Ele afirma que tal fato deixa claro que o ódio não nasce da distância mas da proximidade. Ele afirmou: "É sempre possível unir um considerável número de pessoas no amor, enquanto sobrarem outras pessoas para receberem as manifestações de sua agressividade”.
 
 No estádio dois exércitos estão formados. Cada exército é unido pelo amor, se é que se pode chamar de amor, ao seu time e pelo ódio ao time rival representado pelos torcedores deste. Cada torcedor/soldado defende  a camisa de seu time como um soldado defende o seu país. Eles estão lá para matar ou morrer. Estão em uma guerra.
 
Além da dúvida quanto a causa, uma outra dúvida surgiu também: “Cadê a Polícia Militar?” E os repórteres do fronte foram atrás da notícia e trouxeram a reposta do porta-voz da Polícia: “ É um evento privado, e a segurança era de responsabilidade de uma empresa privada contratada pelo Atlético-PR.”  Uma decisão judicial fundamentava isso. Pronto, a guerra estava legalizada, poderia continuar sem problemas...
 
Enquanto isso a arbitragem, os dirigentes dos times e os jogadores discutiam sem parar sobre o futuro: haveria jogo? E se algum time fizesse um gol? Sem segurança na arquibancada?
 
O presidente do Vasco, Roberto Dinamite declarou: “Não estão respeitando a coisa mais importante, que são as vidas. Não tem policiamento, e isso preocupa todo mundo. Não estamos pensando em primeira ou segunda divisão, ou qualquer outra coisa que esteja em jogo aqui. Eu acho que a partida tem que ser suspensa, mas eu não posso tirar meu time de campo, senão o clube é punido.” Declaração absurda? Faça-me uma favor... Estamos em guerra!
 
Enquanto essa assembleia acontecia na ONU daquele jogo, um pai tentava proteger o filho com o próprio corpo, no meio do campo de combate.  Ele e o filho foram ao estádio apenas para ver o time do coração jogar, mas acabaram no meio da guerra. O pai em um ato de desespero para proteger o filho, colocou a mão na frente dele e falou para um soldado do lado do Atlético :
 
--Se vai fazer alguma coisa faça comigo.!
 
Para surpresa do pai, o soldado respondeu que não iria fazer nada, e ainda disse para ir eles irem com ele até embaixo. Ele também pediu a outros torcedores para não fazerem nada com o pai e o filho. Quando eles desceram, ele ainda empurrou outro cara do Atlético para o lado, não deixou chegar perto. O pai segurou seu filho e ficou desviando dos soldados. O soldado que os ajudou saiu correndo quando a polícia chegou. Logo depois dele sair, subiu a polícia, que atirou com bala de borracha. O pai e o filho foram  para a torcida do Vasco, saíram pela entrada e foram para casa o mais rápido possível
 
Esse soldado, esse “gentil e solidário” soldado foi espancado pelos inimigos até ficar inerte, com a cabeça no degrau debaixo e o corpo no de cima, em decúbito ventral, como não se faz em público!
 
 
Aí chega a polícia atirando bala de borracha, conquistando espaço, o helicóptero aterriza próximo à grande área do Vasco da Gama, os bombeiros, socorristas e seguranças particulares entram em ação com a eficiência que é esperada desses profissionais de alta conceituação e socorrem os semi-mortos.
 
Uma hora depois, religiosamente, uma hora depois, o confronto continua da forma permitida por todas as convenções estabelecidas em sociedade: o jogo é reiniciado.Resultado final: Atlético Paranaense 5 (terminando o campeonato em 3º lugar), Vasco da Gama 1 (rebaixado para a 2ª Divisão), quatro soldados hospitalizados, dois de cada torcida, um deles permaneceu internado com fratura craniana, quatro soldados do Vasco foram presos, um deles escondido no banheiro do ônibus. Esse foi flagrado combatendo o inimigo empunhando uma arma não permitida no campo de batalha: um pedaço de pau com prego na ponta. Esse foi o saldo de baixas no fim dessa guerra.

 
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Contadores de Histórias
Enviado por Contadores de Histórias em 06/05/2015
Reeditado em 18/05/2015
Código do texto: T5233014
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