Tristura
 
   Bem ao norte do globo terrestre, existe uma ilha isolada do resto do mundo. Acessível apenas por uma fenda mágica, onde navegantes e barcos repletos de tripulantes se perdiam em suas viagens pelo hemisfério.  

   Uma terra coberta por densas neblinas, calotas de gelo e vastos cobertores de neve, onde quase todos os dias ocorrem tempestades e ventanias geladas e mortais. Existe nela um povoado localizado bem no centro, com um número considerável de moradores bem peculiares.

   Tal ínsula foi batizada com a acunha de Tristura, pois reza a lenda que qualquer ser a pisar neste local seriam perseguidas e dominadas por um demônio antigo que habita por lá, e agora vaga pela cidade levando consigo desgraça, ódio e tristeza. Atormentando e possuindo os moradores daquela cidade.

   No ano de mil e trezentos, havia desembarcado ali o navio de um colonizador europeu chamado Pedro. Ele atracou na costa junto com sua família e uma tropa de marinheiros. Vendo a planície do leixão, ele mandou uma carta para seu rei descrevendo-a como sombria, e de florestas petrificadas pelo gelo, tão densas quanto os mares do oceano atlântico que banhavam a costa de Portugal.

   Na mesma manhã, ele e os tripulantes do navio resolveram levantar acampamento para passar alguns dias ali e fazerem expedições pelo local. No dia seguinte sua esposa e sua filha levantaram mais cedo para preparar o café, elas distanciam- se do abarracamento em busca de outros mantimentos locais. Em seguida ouve- se gritos femininos vindo da floresta, tão aterrorizantemente altos que acordou Pedro e o restante de seus homens.

   Rapidamente, ele e os subjugados que o acompanhavam prepararam as armas e foram à procura de sua esposa e filha. Ao entrarem na mata fechada com neblinas densas e um frio cortante, Pedro percebeu- se só, todos os outros haviam desaparecido.

   Um forte silêncio o arrepiava, o vento soprava em sua nuca de pelos eriçados, tomado pelo pavor ele correu para dentro da neblina e lá  se deparou com algo aterrorizante.

   O pequeno local era tomado por casas de madeira que cheiravam a umidade e podridão, as pessoas eram apenas errantes que viviam com rostos tristes e olhares vazios. Entrando e saindo de suas casas lamentando- se por algo e queixando- se com murmúrios sorrateiros.

Trechos de Minha Tristura.

   "Eu caminhava por entre essas pessoas vazias, tomadas por uma sensação de dor descomunal visível em seus rostos, e as perguntava sobre minha esposa e filha, mostrava a elas o desenho de minhas garotas e recebia apenas silêncio e olhares frios.

   Um dos moradores locais as reconheceu e apontou para uma casa ao longe, coberta por musgo e cercada pelo que parecia ossos. O cheiro de enxofre se intensificava a cada passo que eu me aproximava do local.
A porta estava recostada e pela fenda lateral via- se o tremular de uma lamparina fraca acesa, tento empurrar a porta de uma só vez, porém ela está emperrada. Coloco mais força e o barulho vindo dela e tão aterrador quanto os gritos ouvidos antes.

   Ao fundo do comodo o que se via eram velas e crânios, rodeando um trono negro de madeira podre com verniz envelhecido. O ser assentado nele era uma criatura alta, fedida e extremamente assustadora. Tinha dentes pontiagudos, seus olhos eram arregalados e amarelados, os braços eram grandes assim como o seu corpo branco e esguio.

   Em cada uma de suas mãos sujas por sangue, cinzas e lama. Jaziam dois corações. Ao me ver ele sorri e logo se levanta de seu trono, olhando- me diretamente nos olhos, ouço o som oco de algo que cai do seu colo e rola até meus pés de forma lenta até tocá- los, fintando- me novamente estava os olhos frios de minha filha.

   A visão embaça e o meu corpo descolore, caminho pra trás e sinto o chão amaciar- se ao toque da sola de meus pés, caio subitamente tendo três últimas imagens alocadas em meu cérebro: A cabeça decepada de minha filha me encarando, os corações ensanguentados naquelas mãos horrendas, e o demônio de pé sorrindo para mim.
...
 
   Ao acordar novamente senti meu corpo molhado e estava muito frio, as velas estavam apagadas e a casa em uma penumbra assustadora, o demônio se foi com elas. Só então que o vazio formou- se dentro de mim, eu chorei por muitas horas, gritei e blasfemei contra os deuses. Os dias seguiram cinzas e iguais, eu virei um errante também e entendia os que moravam ali. A dor, o medo e os gritos nunca se esvaiam. Não tenho ideia de quanto tempo eu fiquei ali, porém acabei por achar meu caminho de volta ao acampamento...

   Ao chegar o que vi foi neve e as barracas destruídas pelas fortes tempestades, somente o barco estava intacto, como se o demônio quisesse que eu fosse embora e explanasse ao mundo o que vi e vivi aqui, procurei por tudo que me fosse útil e que ainda tivesse utilidade, as joguei no navio e parti, sem saber ao menos como voltar apenas fui"           

   Chegando em sua cidade natal o explorador foi considerado louco, e internado em um hospício cristão. Alguns meses depois morreu de tristeza, deixando para trás seu diário que descrevia a ilha como amaldiçoada, destruidora da felicidade e casa de um demônio, o qual ele batizou como ‘Taciturno Lúgubre’.

Epílogo

   Passados duzentos anos a ilha foi colonizada, e no centro dela foi construída a cidade de Plastem. Hoje a história se tornou apenas uma lenda, "A Lenda de Taciturno Lúgubre”, da qual é ridicularizada pelos moradores da região, embora muitos digam já terem sentido a presença do demônio os observar ao irem dormir.

   Coincidência ou não uma coisa é certa, os moradores da ilha Tristura não sabem sorrir nem amar. Eles não conhecem a alegria ou a paixão, são gélidos e não há vestígios de compaixão neles.

   Os habitantes daquela região também não são receptivos aos turistas, odeiam festas e comemorações ou qualquer coisa que possa gerar sorrisos e alegria, preferem a solidão e a amargura. Lá não há honestidade nem justiça, só lágrimas e fatalidades.

   Talvez Taciturno Lúgubre tenha arrancado também os corações dos moradores daquela região, como fez com a filha e a esposa de Pedro.

FIM.
 
Tema: Sonhos
Total de Palavras: 1035 palavras


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