Estrela Madrinha... Estrela Minha

Naquela noite tudo eram mistério e solidão.

Embora, estivesse cercada de amigos em meio a uma das costumeiras e animada festa da turma, bem ao gosto dos adolescentes que eram uma vaga sensação de melancolia corroia o coração de Júlia.

Havia naquela noite um vazio, um quê de solidão, de vontade absoluta de não estar só, de ter alguém para amar e ser amada... Há muito que Júlia almejava o amor de João, sonhava ser a sua amada... Mas ele parecia não enxergar esse amor... E ela estava ali tão perto...

A noite ia pela metade e, entediada, Júlia saiu para o pequeno jardim que circundava a casa, para tomar um pouco de ar, respirar a noite que a envolvia lá fora.

Recostou-se à grade do murinho e ali ficou olhando as estrelas que lá no alto cintilavam, enquanto pensava... Pensava em seu amor, em seu olhar, em seu sorriso cativante... Em sua voz...

Quanto tempo havia que desejava conquistá-lo! E ele sequer parecia entender a mensagem velada que discretamente seus olhos lhe passavam...

Num desses momentos de romântica contemplação, ali estava ela olhando o céu pontilhado de lindas e distantes estrelas, que lá no alto cintilavam indiferentes à sua solidão. E o alvo dos meus doces e jovens pensamentos estava ali, bem na sua linha de visão, porém, como sempre, lindo, sereno e coração distante...

Júlia suspirou profundamente sentindo no peito um misto de dor e desilusão, pensando:

- “afinal, por que não te aproximas de mim?”.

Naquele momento, um raio de luz cruzou o céu do norte para o sul - uma magnífica estrela cadente se fez notar em toda a sua beleza e luminescência...

Olhos grudados no céu, no rastro de luz fosforescente que ela deixou, Júlia fez o pedido mentalmente: - “estrela cadente, estrela madrinha, estrela minha, realiza o meu desejo e não o deixe pendente: Faça com que o João venha até aqui, agora, e seja meu namorado." - "Agora, linda estrela!” - enfatizou mentalmente, olhando o céu.

O último vestígio de luz daquela estrela de fogo se apagou e ela baixou os olhos, bem a tempo de ver o alvo dos seus sonhos ali à sua frente, convidando-a para dançar. Júlia sentiu um calafrio...

Aceitou o seu convite, porém, não sem antes olhar para o céu onde segundos antes brilhara a luz incandescente daquela estrela... Madrinha.

Acompanhada pelo jovem dos seus sonhos entrou no salão... E dançaram o resto da noite, embevecidos em doce idílio de amor. Ela mal podia crer que aquela estrela danada atendera ao seu pedido tão prontamente.

Mas atendera e ali estava Júlia ao lado do seu novo namorado, como tantas vezes desejara. Foram dias de alegria e encantamento, afinal Júlia conseguira o que tanto almejara.

Agora ela tinha o doce amor de João, o seu olhar, o seu sorriso... Ah! E o seu cantar, o seu doce cantar ao violão... Mas havia no coração de Júlia, por vezes, uma vaga certeza de que esse doce enlevo não duraria.

Um dia acordou com uma estranha sensação no peito, porém não havia nenhuma razão que justificasse aquele mal estar que, de repente, assolava a sua alma.

Sentiu como se o ar ficasse diferente, como se o ar fosse palpável, como se ela pudesse enxergar o ar, ou pegá-lo. Não sabia explicar bem, mas essa era a sensação que, por várias vezes, sentiu naquele dia. Por mais que tentasse, não conseguia fazer uma correlação do que estava sentindo com nenhum acontecimento real. Apenas uma estranha sensação de que algo desagradável se passava e a incomodava repetidas vezes naquela manhã.

Então, por volta do meio dia, precisamente quando ela entrava na sala de estar, vindo do seu quarto, voltou a sentir aquela horrível sensação, só que desta vez veio nítida a lembrança de um sonho, um sonho que tivera na noite anterior e do qual não havia ainda se lembrado.

Era noite e Júlia se via numa posição bastante peculiar, estava pairando sobre a rua, bem em frente à casa de João, quando o viu chegar, abrir o portão de ferro e entrar... Antes, porém, ele olhou para cima e a viu, mas sem nada dizer entrou em casa...

Lembranças... Tão reais que não pareciam ter sido um sonho.

Imediatamente, Júlia compreendeu a razão daquele estranho mal estar.

- “Mas isso foi apenas um sonho, não foi real” - pensou, tentando afastar do peito aquela opressão.

Então, o telefone tocou e prontamente Júlia atendeu, ainda, sentindo no peito a melancolia que a cena recordada do sonho lhe trouxera. Era uma de suas amigas, contando as novidades da noite anterior e querendo saber por que ela não fora à festa de aniversário da amiga Andréia.

Naquele instante, tudo clareou na sua mente. Naquele momento, ficou sabendo pela amiga que João estivera presente ao aniversário da colega, sem sequer convidá-la e compreendeu que quando o viu em sonho abrir o portão de sua casa às 2 horas da manhã, ela, Júlia, realmente estava lá, em espírito e verdade, constatando in loco a chegada do seu amado em casa.

Não fora um sonho, ela estivera lá e o vira chegar de madrugada em sua casa. O seu sonho de amor estava desfeito... E diante do constatado, Júlia já ia se entristecer com o feito quando a lembrança daquela estrela madrinha lhe acorreu à memória, como se lhe dissesse: - “presente de estrela cadente é como presente de fada, não dura para sempre, se esvaece, termina infalivelmente às doze badaladas”... Mas vale o baile... Ah, se vale!

Arádia Raymon
Enviado por Arádia Raymon em 06/01/2008
Código do texto: T805804
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