Delícias do Coração!

Iguais a maioria dos jovens eles queriam mesmo era curtir literalmente a vida sem pensar no amanhã e nas lições do colégio. Em seus corações havia apenas o desejo de amar, da liberdade ilimitada pela vida. Apesar dos impedimentos o casal driblava quase todos os obstáculos, até porque não existem barreiras capazes de impedirem a força deste sentimento chamado amor. 
        Mas, como na vida nem tudo são maravilhas, chegou o dia em que as desavenças foram ganhando espaço dentro de seus flexíveis corações. Por sua vez o sublime sentimento foi se dissipando qual um elemento volátil... As brigas passaram a ser o prato predileto entre ambos e não mais escolhiam lugar para iniciarem uma discussão. Quando retornavam do colégio, isto é, as poucas vezes que permaneciam dentro da sala de aulas, ganharam até o indesejável apelido dos colegas; 
       Lá vem “O casal do barulho!”. 
       Eram tantas as faltas que até reprovaram o ano anterior. 
       Levado o problema ao conhecimento dos pais esses tomaram uma decisão mais drástica; separá-los antes que fosse tarde demais, pois seguiam rigidamente costumes e tradições de seus países de origem. Portanto, na visão dos antigos, um coreano e uma árabe jamais se entenderiam. Hum, como se existisse lógica no amor!
       Foi então que eu vi pela primeira vez um homem chorar de paixão! E logo um oriental que tem controle nos impulsos da mente; menos no coração! Como éramos amigos procurei fazê-los entender aquela dolorosa separação visto que, assim como eu, eram muito jovens e ainda tinham uma vida inteira pela. Apesar disso eu apoiava o relacionamento entre ambos.
       Passaram-se os meses e eu continuei intermediando os encontros entre eles, usando minha namorada como álibi. No princípio nem passou pela minha cabeça que aquele interessante e perigoso jogo poderia ter um desfecho nada agradável. Ora, eu também namorava escondido, embora não houvesse proibição explícita por parta de nossas famílias; era mais pela responsabilidade nos estudos mesmo.
       Num belo dia fui à casa do Sr. Rachidi para tratar de um assunto profissional, visto que eu trabalhava num escritório de contabilidade que prestava serviços para o seu armarinho. Lá encontrei Samira, a linda turquinha árabe de olhos amendoados, se esvaindo em lágrimas.
       Ao perceber minha presença veio logo me abraçar com efusão. Depois de sentir o seu humor umedecendo meu pescoço entendi o motivo de tão lastimoso pranto. Com a voz embargada, disse-me que ao findar aquele ano toda a família se mudaria de São Paulo e do Brasil com destino à terra natal. No momento não tive palavras para confortá-la, pois, além de estar a serviço não podia deixar transparecer. 
       Fui embora um tanto atordoado porque precisava noticiar o fato para outras pessoas, porém me faltavam argumentos para elaborá-los. E conhecendo bem o meu amigo Sejong, logo imaginei que não aceitaria ficar longe de sua garota por nada deste mundo...
       Antes de terminar o ano retornei à casa do Sr Rachidi mais vezes, sem que a família desconfiasse de algo mais além do trabalho. Enquanto o tempo corria o jovem enamorado e minha Dalila aguardavam ansiosos por notícias mais animadoras. No entanto, perguntas com indícios de ciúmes também se tornaram frequentes aos meus ouvidos, ao ponto de ambas as partes se compactuarem contra mim. 
       Tanto o Sejong quando a minha namorada tinham razões de sobra porque a Samira era bonita por demais. Ocorre que os meus objetivos não se limitavam apenas em conquistas amorosas e amizades. Eu queria também prosperar profissionalmente, por isso qualquer vacilo botaria tudo a perder.
       Quando chegou o final do ano a tensão entre nós atingiu o auge no desentendimento porque quase nem mais falávamos como antes; parecia mesmo que era o fim de tudo. No dia da viagem, enquanto aguardava meio constrangido e solitário o embarque da família, fui surpreendido nos minutos finais com algo bastante estranho; apareceram ali na plataforma do aeroporto, com a maior cara de pau, o coreano e a verdadeira Dalila; coincidência ou não era o nome da minha garota!
       Instantes depois, sob um frio de doer nos ossos, despedimos com muitas emoções, inclusive eu! Ao chegar em casa me pus a pensar: 
       — Maledetos, bem embaixo dos meus olhos eu nem percebia! 
       Veio então a raiva natural da traição, mas nem deu tempo para revolvê-la... Ao meter a mão no bolso esquerdo do casaco percebi uma bolinha de papel amassado com os dizeres:
        Meu adorado príncipe de ébano, bem antes de ficarmos juntos,  eu já sabia de tudo por isso não quis te chatear desnecessariamente! 
        Eles se merecem... 
        E não fique triste com a minha partida porque retornarei assim que chegarmos lá! Nem os oceanos e menos ainda as tradições seculares irão nos separar.  
        Aguarde nesta mesma estação...!!!
Beijos da turquinha que te ama...
 
 
 
Milton Cavalieri
Enviado por Milton Cavalieri em 10/02/2008
Reeditado em 14/02/2008
Código do texto: T854065