BOLETIM DA MADRUGADA

Embora estivesse há pouco tempo no ramo, Érson Bhorassis já era famoso, seu programa era, indiscutivelmente, o mais visto no horário, até quem negava assistia. A idéia era simples: todo santo dia ele visitava o IML para avaliar o saldo do dia, e a partir da zero hora, transmitia ao vivo as diversas ocorrências da madrugada, por isso o nome do programa era “Boletim da Madrugada”. Simples, como a maneira que a idéia nasceu... ele vinha de uma farra com os amigos, daquela que vara a noite, e entre uma cerveja e outra e os diversos bares que puderam visitar, seus olhos ainda conseguiram observar quantas desgraças aconteciam numa única noite. Num lugar roubaram um motel e mataram o recepcionista, noutro ocorreu um incêndio, e noutro a mulher esfaqueou o marido depois de pegá-lo em flagrante.

A equipe do programa era fixa, foi sua principal exigência quando firmou o contrato. Ele sabia que lhe dava com bandidos e não seria bom mudar suas companhias, sem mais nem menos. Entretanto, o efeito foi total o inverso do que ele esperava, o sucesso foi tão grande que conquistou a simpatia de policiais, bandidos, juízes, donas de casa, ninguém declarava abertamente mas o Ibope confirmava.

Segunda Feira, onze horas e quarenta minutos. Diante do espelho Érson divagava: “Quem eu era há um mês.... Será que ainda sou o mesmo?” - Ajeitou a gravata, e com um rabo de olho leu o título da primeira página do jornal. BOLETIM DA MADRUGADA; SUCESSO TUPINIQUIM SERÁ EXPORTADO! – O que esperava naquela noite? Ele não sabia, todo dia era assim, não planejava nada. A podridão da sociedade é que o guiava. – Pôs o sinto, se perfumou, e antes de sair leu como sempre fazia antes de sair, leu um bilhete colado no espelho da sua cômoda. “Você é um fracassado, me esqueça!” Foram as últimas palavras da sua ex antes de despachá-lo.

Dez pra meia noite, já era hora de sair. Ele foi.

A equipe já o esperava na porta: Luizão, o motorista; Allan, o cabo man e Zé Mário, o cinegrafista.

- Ta pronto pra outra seu Érson? – Indagou Allan, dando um tapinha nas costas.

- O que será que nos espera em Érson? - Sorriu Luizão.

O repórter permaneceu calado durante todo o trajeto até o IML, ele nunca falava nada até a hora do programa, era, talvez uma forma de concentração. Ninguém sabia o porquê, talvez nem ele, só não tinha vontade de falar e não falava. Apesar de trabalharem há pelo menos um mês juntos os companheiros falavam e sorriam sempre, quem sabe pra quebrar o gelo. Mas o mais provável era fossem gestos mecânicos, agiam assim pra quebrar o gelo, porque aprenderam que devia ser assim, porque a falsidade guiava o mundo.

- Chegamos. Estão todos prontos?

- Sim senhor.

- Então vamos.

Assim que abriu a porta do furgão todos do programa levaram um susto. A frente do Instituto estava abarrotada de gente. Todos queriam cumprimentar o famoso Érson Bohrassis.

- Com licença. – Com muita dificuldade conseguiu entrar no prédio. A fama eliminou a burocracia, o diretor já o esperava. – Que o senhor tem pra mim hoje?

- Nada demais. Só um afogamento. Mas tem um caso quente na Homicídios, prenderam um cara a poucos minutos com treze quilos de maconha num canavial.

- Que horas são, Allan?

- Doze e cinco.

- Ótimo. É esse! Vamos liguem a câmera, é o nosso primeiro caso de hoje. – Dizendo isso, todos ficaram frenéticos, técnica, policiais, multidão. Era assim que o programa começava:

- Boa noite Telespectadores e Telespectadoras! Aqui é o repórter Érson Bhorassis a caminho do nosso primeiro caso: Um homem foi pego em flagrante com treze quilos num canavial. Como sempre, vocês de casa acompanharam tudo na íntegra, sem cortes. Chegamos.

Na delegacia a equipe também era aguardada. Há público, mas os policiais providenciaram um cordão humano para que sua entrada não fosse conturbada.

- Seja bem vindo Érson.

- Que você tem pra mim delegado?

- Tem aquele indivíduo ali que foi pego com treze quilos da planta e como não poderia deixar de ser, se diz inocente.

- Posso falar com ele?

- Pode, mas antes gostaria de falar com você em particular... – delegado vai para sua sala, tranca-se e chama Érson com um leve balançar da cabeça.

- O senhor não me interprete mal, seu Érson...

- Não se preocupe delegado.

- É que.. sei que não deveria, mas insistiram e não pude negar.

- Se eu puder fazer algo farei delegado, não tem problema.

- Dê-me um autógrafo, é pra minha filha, ela gosta muito do senhor e não dorme sem assisti-lo. Não vou mentir pro senhor, não gostaria que ela assistisse, mas ela gosta, como eu. – Érson pega o papel na mão do delegado, assina e devolve. – Desculpe seu Érson, sei que o senhor é muito ocupado, não vou mais empatar seu trabalho. – Abre a porta e acompanha o repórter até o preso.

- Ah seu Érson, que bom que o senhor veio. Eu sou inocente seu Érson.

- Certo. Mas lhe pegaram com treze quilos. Como você explica isso?

- Foi uma cocó dotô, eu não fiz nada não... armaram pra mim.

- Zé Mário, mostre a cara desse homem. – Cinegrafista dá um close na primeira lágrima que sai do olho suplicante dor marginal. – O que é que você estava fazendo no meio do mato onze horas da noite com aquele bagulho?

- Foi coincidência dotô, eu tinha saído pra dar uma caminhada, sem destino, quando de repente me deu uma dor de barriga braba. Eu não tinha pra onde ir, o cantinho mais sossegado que tinha era o canavial, então fui pra lá dar uma cagada, e quando estava quase terminando os homem apareceram e por coincidência esse pacote estava perto de mim. – todos os presentes deram uma gostosa gargalhada. – Eu sou inocente!

- Ô mala, por que você não conta pra seu Érson que já tem ficha?

- Mas isso não conta delega.

- Por quê? Que você fez? – o repórter.

- Eles já me fixaram uma vez porque queimei as roupas da minha sogra.

- Por quê?

- Porque ela tava enchendo meu saco, eu disse que se ela não parasse iria queimar as roupas dela, ela não acreditou, eu disse: Oi, eu vou queimar. Ela disse: Queime, quero ver. Então queimei. Doutor posso ir ao banheiro? – Delegado e policiais ficam sérios, alguns policiais batem na mão como advertência. – É só pra cagar minha gente. Tenham dó!

- Deixe delegado, não custa.

- E se ele fugir?

- O Senhor algema e o coloca nu no banheiro, o lugar está cercado e nu ele não iria muito longe.

- Boa idéia Seu Érson.

- Miro, leve o Mala pro banheiro, e nu. – Policial leva.

- Senhores telespectadores, todos vocês ouviram a história. Que vocês acham? O homem é inocente? Que acredita pode ligar para 0800190190 e quem não acredita ligue 0800191191.

O Policial que levou o marginal volta nervoso e com a testa sangrando.

- Delegado, o preso fugiu!

- Como foi isso?

- Ele pediu papel higiênico e quando fui entregar ele me acertou com uma portada, pulou a janela e fugiu.

- Então vamos atrás dele.

Policiais ficam afoitos e as viaturas saem cantando pneu.

- Posso ir junto delegado.

- Claro. A rua é de todos.

- Vamos lá telespectadores, como vocês viram e ouviram temos autorização para acompanhar essa perseguição e logo após nossos comerciais vocês acompanharam tudo na íntegra, porque esse é o BOLETIM DA MADRUGADA!

Anderson Sant Anna Teinassis
Enviado por Anderson Sant Anna Teinassis em 13/03/2008
Código do texto: T899370