Clichês Terroríveis

Quando alguma coisa funciona
Num instante ganha clone
Quase tudo o que se segue
Faz do outro cicerone
No cinema para mudar
Só se passar um ciclone

Quem faz filme de terror
Parece seguir receita
Pega os ingredientes
Num caldeirão os ajeita
Pra que ficar inventando
Se a coisa já nasce feita?

Estória de assombração
Começa sempre bem igual
Uma família bonita
Pai e mãe, filhinho normal
Que se mudam pruma casa
Com o inferno no quintal

Com tanto bairro bacana
No subúrbio americano
A casa para onde mudam
Fica num deserto insano
De vizinho, um velho louco
Um caçador e um cigano

O moleque ouve vozes
Tem amigo imaginário
Ganh’um brinquedo feioso
Maníaco e sanguinário
E a família acha lindo
O pimpolho visionário

Fosse gente de verdade
Levava pra terapia
Chamava o padre da igreja
Pra afastar a magia
Não ficava só esperando
A desgraça com alegria

Só quando a coisa desanda
É que alguém pede ajuda
Vem um padre, um feiticeiro
Ou uma médium miúda
Diz que é carma do passado
Coisa feita, cabeluda

Reza e faz exorcismo
Põe água benta e feitiço
Mas não resolve a encrenca
Nunca termina o serviço
E morre o pobre coitado
No meio daquele enguiço

Só aí é que aparece
A solução pro problema
Ocorre o confronto final
A situação é extrema
Mas nem se anime muito, não
Fica no ar um dilema

Se o roteiro é de terror
De assassinos seriais
A coisa é ainda pior
Os tais clichês são muito mais
Começa sempre com jovens
Em aventuras casuais

É sempre assim pode espiar
São dois casais e um mané
Que torra o saco da gente
Com piadinhas de chulé
E é o primeiro a morrer
Graças a Deus, eu boto fé

Quando o chatinho não volta
Vai sempre um outro à procura
Encontra o corpo do cara
Na mais iogue postura
Como é que o assassino
Carregou tanta gordura

Vendo o amigo no alto
Do eucalipto maior
O sujeito quase morre
Com tanto sangue ao redor
E volta pra junto dos outros
Para esperar o pior

Um dos casais é chicano
Negro, chinês ou japonês
Pode estar certo são eles
Que vão morrer desta vez
Pois o outro casal louro
Será salvo por sua tez.

Ao fugirem do assassino
Este parece um idoso
Anda bem devagarinho
Pra ficar mais assombroso
Mas sempre alcança o coitado
Que fugia vigoroso

Na fuga, o carro não pega
E a mocinha tropeça
Proteja os seus ouvidinhos
Se a gritaria começa
A mulherada exagera
Até parece promessa

Enfim o confronto final
Isso é coisa de suicida
Os mocinhos se escondem
Num buraco sem saída
E têm que virar o jogo
Lutam pra salvar a vida

Só quem sobra do massacre
É o casal dominante
Brancos lindos louros ricos
Um recadinho irritante
Desses é o vasto mundo
O resto é só figurante.


Escrevi este texto para o desafio da câmara, no gênero Humor, cujo tema é o clichê no cinema e, no meu caso, clichê nos filmes de terror. Ao final, optei por enviar um outro texto.
Devo publicá-lo aqui também, em breve.