A MULHER DO TELHADO

Um dia, uma linda jovem,

Na maior ansiedade,

Sonolenta se arrumava,

Para ir pra faculdade.

Vagando no apartamento,

Hesitou por um momento,

Para olhar para cidade.

Debruçada em sua grade

Ela gritou, a chorar.

- O que houve, minha filha?

Vamos, fale devagar.

- Em cima daquele prédio,

Uma moça tá com tédio,

Ela vai se suicidar!

- Eu não consigo enxergar.

Que prédio? Que moça? Diga!

- Aquele verde, da frente,

Onde mora a minha amiga.

- Ela está apavorada.

Deve ter sido chifrada

E matou a rapariga.

- Meu Deus! Pega o fone, liga!

Qu’esse meu tá desligado,

Pois o corpo de bombeiros

Precisa ser avisado.

Quando acabou de ligar,

Rediscou no celular

E contou pro namorado.

Com gente pra todo lado

Começou o corre-corre.

- A moça em cima prédio

Deve ter tomado um porre.

- Meu Deus, ela vai pular!

Alguém tem que segurar

Porque senão ela morre.

- Enquanto ninguém socorre

Temos que compartilhar.

- Vou postar no Facebook

Pra notícia se espalhar.

- Já viralizou no Zap,

Mas não creio qu’ela escape

Se o socorro demorar.

- Pelo que consigo olhar

O marido está com ela.

Está sempre caminhando,

Pra lá, pra cá, atrás dela.

Isso é briga de casal

E pode terminal mal,

Concluiu um sentinela.

Parecendo uma novela,

A notícia circulava.

Pelas redes sociais

Só era o que se falava.

O trânsito deu logo um nó.

E era uma multidão só

Que, aos poucos, se aglomerava.

Um motorista gritava,

Reclamando sem parar:

- Como é que eu chego hoje?

Outra vez vou me atrasar.

- O bandido na carreira,

Levou a minha carteira,

Meu relógio e o celular.

Vendedores a gritar:

- Olhe a água mineral!

Corriam de carro em carro.

- É somente dois real!

- Vai a água aí, madame!

Olhe aqui no vasilhame!

A melhor da capital.

- Aquela só vive mal.

Ninguém sabe o que’la fez.

Tá tentando suicídio

Já é a terceira vez.

- Tá no mundo dos perdidos,

Tomou trinta comprimidos

Faz pouco mais de um mês.

O trânsito parou de vez

E além do trânsito, o calor.

O barulho das buzinas

Já era ensurdecedor.

Janelas superlotadas,

Curiosos nas calçadas,

E vez por outra um clamor.

Ouvia-se de um gozador:

- Ele não vale isso, não.

Venha namorar comigo,

Dê um chute no cornão.

A mulher, no rebuliço,

Esqueceu o seu o serviço

E a comida no fogão.

- Ai, meu Deus, que confusão!

E essa fila que não anda.

- Venha cá, minha gostosa!

Lá em casa você manda.

Só se viam os limpadores,

Irritando os condutores.

Com água pra toda banda.

Dos cristãos até à umbanda

Oravam por sua vida.

Os bombeiros já chegavam

Pra salvar a suicida.

Repórteres policiais

Divulgavam nos canais

A notícia preferida.

Do megafone era ouvida

A zoada e o rebuliço,

Mas os dois, na cobertura,

Não ouviam nada disso.

Enquanto eles conversavam,

Bombeiros se aproximavam

Pra começar o serviço.

O povo olhando pra isso

Andava despreocupado.

Nem enxergava os bandidos

Andando pra todo lado.

Olhando pros prédios altos

Também não via os assaltos.

Eita povo abestalhado!

No meio daquele estado,

Pequenos comerciantes

Arriaram suas portas,

Com medo dos meliantes.

E grandes supermercados

Foram logo reforçados

Com medo dos assaltantes.

Motoristas irritantes

Começaram a buzinar.

E outros impacientes

Só ficavam a reclamar.

- Esse trânsito já é lento

E com engarrafamento

Não sei onde vai parar.

- Foi bom eu te encontrar.

Onde está o teu timão?

Agora a “coisa” caiu.

Num ia ser campeão?

- E a Barbie e teu Santinha?

Chegaram no fim da linha.

São terceira divisão.

- O que houve, meu irmão?

Por que toda essa querela?

- Uma moça quer pular

De cima do prédio dela.

- Deve ser falta de “home”.

Escreve aí o meu nome

E passa o número pra ela!

Um gaiato, da janela,

Gritou para a multidão:

- Bando de desocupados!

Não têm o que fazer não?

- E aí, então, meu bem

Conseguiu falar com alguém

Do prédio da confusão?

- Ninguém lá me atendeu, não.

E o socorro demorou.

Eu acho que agora é tarde,

Pois a mulher já pulou.

Vejo sangue na calçada!

Deve estar esbagaçada,

Por isso o sangue jorrou.

- Por que ninguém segurou?

Tão jovem e morrer assim.

- É falta de fé em Deus

E obra do coisa ruim.

Eu mato um homem qualquer,

Mas jamais serei mulher

Para à vida dar um fim.

- Escutei num boletim

Que o sangue é de um cidadão,

Que se cortou na ferrugem,

Se imprensando no portão.

- Mas também, nesse imprensado,

Tinha que alguém ser cortado

No meio do empurrão.

A notícia no plantão

A TV mostrou, urgente!

- Mamãe, olha na TV.

Aquele é o prédio da gente.

- É mesmo. Eu vou escutar

Será qu’eles vão falar

Que aqui o tempo tá quente?

- De maneira inconsequente,

Jovem tenta se jogar

De um prédio da capital,

No décimo terceiro andar.

Porém, antes desse ato,

Bebeu veneno de rato.

Tentando se suicidar.

- Ouvi o povo falar

Que já é a quinta vez,

Que aquela moça faz isso

Por causa da gravidez.

- Ainda bem que tá viva.

Espero que sobreviva

Depois de tudo que fez.

- Eu vou me mudar de vez,

Isso aqui tá muito mal.

Está quase uma favela,

Saindo até em jornal.

Vim morar num bairro nobre,

Agora tô feito pobre

Na página policial.

- O país tá muito mal.

Tá quase desgovernado.

- Que cheiro é esse, mamãe?

Tá com cheiro de queimado.

- Meu Deus, queimei o almoço.

Por causo desse alvoroço,

Eu perdi o meu guisado.

Com serviço adiantado,

Um policial bombeiro,

Finalmente, resolveu

Ver o que houve primeiro.

Se afastou pela calçada

Para chegar na entrada

Onde esteve o dia inteiro.

E perguntou ao porteiro

Do prédio da conjuntura,

Que respondeu abismado:

- O casal na cobertura?

Foram pela plataforma.

Estão olhando a reforma.

São fiscais da prefeitura.