Um novo grito na madrugada fria - Obrigada DEUS ! ! !

Célia Matos

Um novo grito na madrugada fria

Oi meu querido, acabei de ler sua mensagem e confesso que me veio uma vontade imensa de chorar, mas consegui conter, por isso respondo-lhe: Suas palavras são providenciais e nem poderia ser diferente, vindo dessa pessoa forte e inabalável, que já passou por diversidades atrozes e se ergue a cada dia firmado na fé e na esperança. Tenho um carinho imensurável por você, temo não estar a altura dele, mas aprendi entregar toda a minha existência nas mãos de Deus, pois foi Dele que vim e para Ele quero voltar. Sei que esta vida é apenas uma passagem e que a verdadeira vida será aquela que nós desconhecemos e aprendemos a repetir e,se quiser, deixar que desperte em nós a fé e esperança num mundo melhor que é Aquele prometido por Deus, sou Católica, apostólica, mas creio na existência de Deus de uma forma absolutamente espiritualista, não sou de discutir fé, cada um possui seu livre arbítrio , sou católica por herança familiar, mas concentro minha fé em Deus verdadeiramente força amor, força natureza, força Espírito Santo, força de pura energia vital em todo o cosmos.

Bem, esse preâmbulo todo é para que você tente entender um pouco do que vou tentar descrever agora .

Desde a mais tenra idade sinto uma imensa atração pela força da natureza, desde que nasci, quem me trouxe foi essa força, associada a da minha mãe, a valentia do meu pai e coragem e fé da minha Mãe Maria. Como já disse antes, nasci numa noite de maravilhosa tempestade, quando fortes trovões ribombavam nos céus escuros como breu onde a única luz eram os clarões de relâmpagos magníficos que rasgavam a noite, permitindo , assim, que meu pai, a cavalo, vislumbrasse os caminhos tortuosos e esburacados e seguisse seu caminho rumo a casa de Mãe Maria, parteira de toda aquela região. Acordando-a rapidamente, preparando a garupa do cavalo para que ela montasse e empreendessem a viagem de volta e socorresse a minha mãe que estava mal a algum tempo na tentativa, com outras parteiras (D Sebastiana (Mãe Tiana) e D. Geralda (Mãe Gê) e nada de conseguirem que eu saísse dali, não entendiam porquê e mandaram meu Pai, aflito, naquela viagem perigosa, aquela hora da noite atrás de Mãe Maria, a melhor das redondezas. Só ela era capaz de fazer parir a mais complicada criança, só ela era a sábia, de orações poderosas, que a criança deslizava para suas mãos, rumo ao novo mundo, só ela amparava a parturiente de uma forma puramente maternal, só ela era quase uma lenda.

E lá estava mãe Maria, na garupa do alazão enorme do meu pai, estrategicamente agasalhada debaixo da sua grande capa de chuva que cobria os dois. E ela dizia: ''Calma fiio, carece de preocupá não, vai dá tudo certo, Nosso Sinhô tá cum a minina e cum nóis tamém, essa chuvinha, eh eh eh!!! ...é pá recebê esse bichim teimoso que espera pru mim, eh eh eh ! ''.

E lá se iam, por entre buracos e torturas do caminho, esperando que os raios se amiudassem e clareassem um pouco mais. Enfim , chegaram em casa, e após todas as providencias de Mãe Maria...ouve-se na escura e fria madrugada de 28 de abril, um choro forte e valente...''mais...óia cá Arlindo, meu fiiioo de Deus, num é minino não, seu segundo fiio é uma beleza de moça...êta !!! hem..hem...mais vai queimá candeia eh eh eh !!!'' e segue falando e animando minha mãe, dando os famosos tapinhas na bunda do bebê que acabara de nascer que tremia e berrava reclamando de algo. E o que faltava foi rapidamente providenciado: roupinhas limpas e quentinhas e depois, o peito gostoso da mãe, que ainda cansada, tentava se restabelecer do difícil parto daquela criaturinha que parecia combinar com o tempo que fazia lá fora ou, quem sabe, talvez, era o prenuncio de sua vida futura de guerreira, voz de trovão, olhos fixos e firmes como os raios que iluminavam sua chegada, decidida e carinhosa como seu querido pai e quando convinha, teria a ternura infinita de sua mãe.

Foi assim, que vim a este mundo, e que hoje, a cada dia ou noite que se apresenta este tempo de absoluta inquietação da natureza, sinto-me ligada a ele, com tal fascínio que, ninguém,ninguém entende, achando-me meio doida. Não !, não se trata de loucura, sinto apenas que faço parte daquele cenário que tão bem me completa e nele, vejo, claramente a força do CRIADOR e, faz crescer ainda mais a minha fé e forças para cumprir a minha missão que é andar, mesmo que faça frio, dia ou noite escura chuvosa, ao lado daqueles que precisarem do meu caminhar, do meu sorriso, do meu abraço, meu beijo, sem escolher a face, apenas para faze-los entender que ainda existe amor e esperança que após a tempestade sempre vem a bonança.

Sou sim, hoje entendo, sou sim a guerreira das guerras pela justiça, guerreira em defesa dos meus, lutadora incansável pela transformação deste mundo, as vezes cruel, através da educação, apoio àqueles que mal possuem o dia e a noite para receberem o que vier no dia seguinte, busco produzir um sorriso àquelas crianças que nem sabem sorrir direito a não ser por um alimento ao seu alcance, trovejo bravamente quando sei de desmandos cruéis e enfrento o que tiver ao meu alcance e, talvez até fora dele.

Quatro décadas se passaram após aquela noite e cada vez menos vejo noites assim, com o céu exibindo sua bravura diante dos pequenos para que compreendam a força do MAIOR...força de DEUS: FORÇA MAIOR, que desde muito pequena entendia essa força e com ela me identificava. Hoje muitas saudades se fazem presença constante em minha consciência infantil...quando ouvi, a pouco tempo, a narrativa do meu nascimento, pela minha mãe, como que explicando-me alguma coisa que nem ela entendia direito, sinto, uma espécie de saudade, saudade de ''um novo grito na madrugada fria ’’ !!!

Célia Matos
Enviado por Célia Matos em 26/06/2008
Código do texto: T1052688
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