Em Terra de vaca magra, até urubu vira carniça

Alguns homens varando a mata a dentro, beirando cercas, cruzando mangueirões de capinzais, atravessavam riachos, a fim de realizarem um trabalho de topografia, não muito longe das margens do rio.

Ao atravessarem o próximo pasto, algumas vacas pastavam os restos de capim seco, o que sobrou dos tempos das ultimas chuvas. Nesta época do ano, tudo fica seco, inclusive na orla do rio, por causa do desmatamento desenfreado, tudo ganhou um macabro aspecto de vidas em fim de batalha. Animais que morrem e os esqueletos são vistos ao longo do terreno. O odor se espalha pelos ares, e com a ventania deste tempo de agosto, leva bem longe o cheiro de carne apodrecida.

É difícil trabalhar em um espaço assim, é necessário que seja por uma ótima causa, e a causa é pra lá de significante, pois estão abrindo novo espaço para mineiração de areia as margens do rio , o porto anterior fora tomado por alguns pequenos mineradores que, desonestamente , entregaram o dono anterior reclamando falta de documentação necessária, ou seja ele estava irregular perante a lei. Na verdade isso era apenas um recurso para tomarem dele o porto de areia que, ali estava a mais de 12 anos.

Desgostoso, cheio de desilusão, este Senhor procura todos os meios possíveis e até os quase impossíveis para resgatar o espaço que construíra com seus filhos, a duras penas. Os concorrentes, percebendo que eles se levantavam financeiramente, faziam um bom dinheirinho, entraram em ação para que encontrassem alguma irregularidade ali. Dito e feito, por um triz, apesar de serem pessoas idôneas e honestas, não conseguiram se safar das injustiças tramadas contra ele e aos filhos.

Em um mês inteiro sem produzir, gastando até os últimos tostões, Seu José foi conseguindo alguns colaboradores que se apiedaram do seu infortúnio e , até conseguiu comprar um terreno bem mais longe do anterior, bem abaixo do rio, uns 25 quilômetros da cidade .

Se empenharam o máximo possível, fazendo picadas, construindo estrada, limpando o terreno onde será seu próximo ganha pão, nesta terra árida e seca, apesar de por ali, correrem as águas do grande rio São Francisco.

Enquanto cortavam galhos, abriam passagem para novo clarão, sentiam aquele odor cada vez mais forte, de insuportável de podridão. Reclamando e amarrando o rosto com a camisa, investiam em seu intento, mas de repente, avistaram um vulto, uma rês jazia ali, morta, seca....e por mais estranho que parecesse , nenhum urubu ali se aproveitava, chegavam perto, desciam, olhavam e voavam para o alto novamente. Não entendendo aquela cena, olhavam curiosos os arredores...quando, estupefatos ficaram, ao perceberem o trágico acontecimento: a vaca morrera, de fome, talvez e, logo ali, estrepado num galho seco de arueira, jazia morto um urubu, que na ânsia de, talvez, se apossar primeiro da carne ainda fresca, lançou um vôo tão rápido quanto certeiro, que nem vira o galho seco, quebrado, uma lança improvisada pelos revezes da natureza...morrera bem a frente daquilo que seria seu alimento...e ali, espetado, provocava uma cena tétrica, trágica e triste.

Observando em silencio, por alguns momentos, entreolando-se, dispararam em escandalosas gargalhadas, principalmente os matutos, acostumados com tanto urubu a agourar seu gadinho magro, fazendo figa para que algum ali caísse duro para encherem a pança, digo, o papo. Desta vez, até o urubu virou carniça, pois uns Anús Pretos, também famintos, faziam revoadas em cima do infeliz carniceiro.

Eny, 04/09/2008

Célia Matos
Enviado por Célia Matos em 04/09/2008
Código do texto: T1162285
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