Tudo é o Jeito de Falar



Não sou muito fã de comediotas família americana, mas tem um filminho desses bem sessão da tarde de antevéspera de natal que eu acho bonitinho: "Olha Quem Está Falando Agora". Talvez porque fale de cachorros. Ou porque tenha cachorros que falam, não sei. A família adota um vira-latas e a cadelinha de raça da casa fica amiga dele. Tem uma cena em que ela, tentando ajudá-lo a adequar-se às regras da família, pergunta seu nome. Como ele não sabe o que é isso, ela tenta descobrir:
- Qual é a palavra que eles mais dizem a você? Este deve ser o seu nome.
E o cãozinho:
- Ah! Então, meu nome é "não!"
Quem já teve cachorro filhote deve ter observado que ele aprende o "não" muito antes de aprender o próprio nome. Por outro lado, não é exatamente a palavra que impede a total destruição do seu vaso de gerânios e sim o tom de voz adotado. Você terá o mesmo efeito se disser o nome dele (não é aconselhável – leia Alexandre Rios) ou "ei!", "ô!", "shhhhhiii!!", "ah!!" ou "linda!", "fofo!" e até "pára, coisinha cuti-cuti da mamãe!", desde que consiga fazer isso num tom incisivo e rápido o bastante para que não restem dúvidas ao bichinho sobre o seu descontentamento.
Do mesmo modo, se você acarinhá-lo olhando bem pra ele e, com um enorme sorriso no rosto, disser com voz empolgada:
- Seu bicho feioso, sem graça e remelento.
Ele vai abanar o rabo, feliz, tentar lamber você.
Embora nós tenhamos um vocabulário muito mais rico e uma compreensão cognitiva muito melhor do que a de um cãozinho, entre as relações humanas, o jeito de falar também faz muita diferença.
Você já deve ter visto grande amigos referirem-se uns aos outros de forma carinhosa, gentil e divertida usando adjetivos bastante pejorativos, que, num outro contexto, certamente resultariam em brigas. Assim como um "também te amo, viu?" pode ser um (na versão eufemista) "vai ver se eu estou lá na esquina!", dependendo do cenário.
Isto acontece porque nosso estado de espírito e nossas expressões corporais dizem muito mais aos nossos ouvintes do que nossas palavras propriamente ditas. Até por causa disso, nossas emoções precisam estar sob controle antes de resolvermos algumas questões. Se estamos irritados, apressados ou desapontados, deixamos toda essa carga negativa transparecer em nossos diálogos. Muitas vezes, com resultados desastrosos. Já vi casais se desentenderem seriamente por causa de uma resposta mais ríspida ou colegas completamente desmotivados por causa de chefes explosivos e descontrolados.
Eu tenho um amiga que costuma me repreender por algumas brincadeiras que faço. Por exemplo, se desejo a um amigo ator, antes de entrar no palco que "quebre uma perna", ela briga comigo: "isso lá é coisa que se deseje??". E não adianta explicar-lhe que é tradição, significa "boa sorte". Ela retruca, zangada: "as palavras têm poder, cuidado com o que você diz".
Certo. Concordo. As palavras são ferramentas poderosas mesmo. Mas são isso: apenas ferramentas. Servem para expressar fatos, idéias, opiniões, sentimentos, mas precisam ser manipuladas pela alma de quem as profere. E é essa manipulação que vai fazer toda a diferença.
É preciso ter carinho ao dar más notícias, respeito ao repreender, amor ao educar. E as piores palavras, ainda assim, parecerão sábias e boas. Tudo depende do seu jeito de falar.