Helena

Conversávamos na sala de refeições quando alguém bateu à porta. Ele subiu os degraus e vi seu rosto pela vidraça; fui abrir e ele não me reconheceu – mesmo porque tinha me visto quando criança – mas eu me lembrei daquele rosto. Ainda tinha traços finos, olhos azuis e o porte de um “lorde inglês”.

Depois que entrou fomos para a sala onde estavam às outras pessoas; ele não aceitou almoçar, pois já o tinha feito. A dona da casa perguntou; “Porque você sumiu, José?” Ele respondeu que tinha estado doente e começou a fazer parte da conversa.

Em determinado momento ele ficou pensativo, de olhos parados; inclinou a cabeça e, muito amargurado, falou: “Quando comecei a gostar de Helena ela era quase uma menina, e até hoje os olhos dela nunca saíram de dentro dos meus, como se me olhassem de algum lugar. Vivi esses anos todos, casei-me duas vezes depois dela... mas só sei que os olhos dela nunca deixaram os meus e os meus nunca deixaram os dela”, e dirigiu o olhar a mim:” Sabe, os seus olhos são iguais aos dela”. E eu um pouco sem graça e respondi: “Helena era minha tia”

E ele continuou: “Quando comecei a gostar de Helena, ela era muito jovem e não sabia que iria tão cedo, nunca imaginai que seria por pouco tempo. Quando adoeceu e a enfermidade passou a minar seu corpo fazendo franzino e sua alma, eu não levei muito s sério. Faz 62 anos que comecei a gostar de Helena, e os meus olhos nunca deixaram de chocar por ela e nunca deixei de amá-la”.

“Apesar de ter tido outros casamentos e de ter passado esse tempo todo, nem posso imaginar o que houve entre nós dois; nunca esqueci aqueles olhos, é como se de algum lugar eles me vigiassem, é diferente de tudo. O retrato dela e o seu terço estão no bolso do meu paletó, do lado esquerdo, para ficar sempre perto do coração”.

“Quando comecei a gostar de Helena eu era muito jovem, não podia avaliar a grandeza das coisas que aconteciam na nossa vida. Apenas uma vez se ama assim”.

Eu ouvia tudo em atitude de espectadora; pensei em dizer alguma coisa, mas não pude, porque ele era convicto em suas opiniões e sentimentos; os olhos azuis tristes, umedecidos e lacrimejantes quando falava do seu amor de juventude.

Ele dizia repetidamente. “Quando comecei a gostar de Helena... os meus olhos nunca deixaram de chorar por ela...sei que de algum lugar ela também me olha”.

Sem mais, levantou-se e saiu devagar, dizendo:”Vou à casa de Pepe e já volto para conversarmos mais um pouco”.

Tentei colocar no papel tudo o que tinha passado pelos meus ouvidos, mas tinha apenas seis anos de idade quando isso aconteceu.

Retirado do Anuário de 2007 da Academia de Letras do Estado do Rio de Janeiro

ISBN:978-85-7576-137-3

Lidia Albuquerque
Enviado por Lidia Albuquerque em 13/04/2009
Código do texto: T1536670
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