Juliana

Quando você nasceu era uma perereca, uma duende. Seus olhinhos juntinhos e bem pretos, redondinhos, com aquela sobrancelha empenada nas pontas, a bochecha da família, sobressaindo seu nariz arrebitado, emprestava ao seu semblante ar de sapeca e boa coisa não haveria de vir. Como diziam os antigos, topetuda. Para ser mais exata e literária, você era irreverente e ousada...

Ao mesmo tempo, ao crescer, mostrava um andar empertigado, com a cabeça (e nariz) sempre pra cima, como se o mundo fosse apenas o chão onde pisava. Com o tempo vi que não era bem assim, depois que percebi que tinha um coração bom, caridoso, e que olhava para as coisas espirituais, muitas vezes sofrendo com isso.

“Levanta daí que eu quero passar remédio no teu corpo! Se não obedecer, vai apanhar!”, eu gritava, tentando levantar você pelo braço, enquanto, com isso, rodopiava no chão.

- "É ruim que vai me bater, heim!...”, você respondia, misturando lágrimas com um risinho debochado... Eu desistia de lutar e você deduzia que tinha vencido. Daí, me atendia.

E assim foi até você se tornar mulher. Das poucas, mas sérias, épocas em que brigamos, ameaçando rompimento eterno, quando passávamos horas de profunda solidão, descobríamos que não dava para desligar o laço, e a solidão se tornava menor assim.

- “Este quadro é uma merda!”, você exclamava ao ver Dali, escondida entre pernas de gigantes intelectuais, enquanto eu ria por dentro. Era a sua concepção, ora... Eu tinha criado um monstro...

Quantas vezes, mesmo ainda uma criança, você participou das minhas loucuras, das palestras, das peças de comédia, das reuniões, aprendendo medicina por difusão passiva e entendendo sobre a vida... Não li estorinhas infantis, mostrei-lhe histórias de adultos, se possível, rindo delas. Espero que me perdoe por ter-lhe amadurecido precocemente.

Sem qualquer orientação, você começou a se interessar pelo espiritismo e começou a ler, ler, ler... Sonhava e tinha pressentimentos. Ligava-me assustada, chorando. Muitas vezes eu, mesmo sem qualquer estudo sobre o assunto, sabia exatamente o que sentia e por que sentia. Nossas mentes continuavam e continuam em comunhão, mesmo longe de mim, mesmo sem nos falarmos com frequência.

Você cresceu, casou e foi embora. Não posso mais passear contigo, levar-lhe para conhecer algum lugar exótico, acompanhar seus trabalhos escolares, de preferência, brincando. Sobraram os encontros em família, alimentados com gargalhadas ao lembrarmos de como foi a nossa trajetória até aqui.

Tão bom ouvir: “Eu te amo. Estou com saudades”. E você o faz mais do que eu. Penitencio-me nesta crônica e sei que a qualquer momento ela vai me telefonar e dizer que pensou em mim, não sabe bem a razão... Você ficou adulta e não posso dizer que não liga mais pra mim...