Farei uma exceção!
Há 5 meses que estou neste apartamento velho e ainda não me centrei por aqui...
Fora o karma espiritual que existe neste apartamento (isso é coisa pra outra crônica, uma vez que tem uma alma no meio do caminho, no meio do caminho tem uma alma), eu estou tentando ajustar meu estilo de vida a um apartamento todo trambicado!
Vamos ver:
O interfone está quebrado. Eu pensava que era aparelho de má qualidade, mas o condomínio descobriu, e nem fui eu, que a porcaria está quebrada e se calaram a respeito. Isso se chama vício oculto, coisa com defeito, que a gente não vê quando aluga - só descobre depois de se instalar e morar...
Um vício oculto maravilhoso aconteceu uma semana depois que eu estava aqui. Ao abrir um registro, para poder trocar uma bica, encontrei as Sete Quedas no banheiro de empregada. Troquei rapidamente, auxiliada na emergência pelo zelador do prédio de meu consultório. Gastei e não fui ressarcida, pois a dona diz que eu encontrei o lugar na mais perfeita ordem... Perdi um dia de trabalho e ainda desligaram o telefone na minha cara, tanto a advogada que representa a dona, quanto a própria proprietária... Eu acho que elas pensam que vai ficar por isso mesmo...
Cheguei a fotografar e entregar tudo para um advogado. O advogado entrou em contato com a advogada. Os advogados se falaram. Advogados são entraves na minha vida. Um dia desses um deles vai acabar na mesa de cirurgia e eu quero ver se vão adiantar as mumunhas, mutretas e mamatas dessa gente.
O caso é o seguinte: como encontrei esta merda, assim entregarei este lugar (isto foi colocado em documentos) e c’est finite.
Depois de passar alguns meses como dama, descobri que o tampo da privada estava podre e arrebentou a dobradiça. Lá vamos nós à procura de uma dobradiça igual, só pra não termos que gastar 129 paus por um tampo vagabundo...
A minha cômoda dos anos 40, depois de três mudanças de endereço, ao ser desarmada todas as vezes, estava toda arreganhada. O fundo das gavetas e as laterais estavam soltos. Um dia inteiro de sujeira na minha cara, perfurando, serrando e enchendo o quarto da princesa de sujeira... 75 paus de faxina e no dia seguinte tinha que limpar a casa todinha de novo, e sozinha!
O telefone umedeceu... Exato: ela não emudeceu. Ele umedeceu! AS TECLAS ESTÃO COM UM DEFEITO IRRITANTE. A empregada limpou aquela porcaria com pano úmido. Ou eu pago conserto ou eu compro um novo.... Não sei o que ficaria mais caro...
A TV pifou sem mais nem menos. Decidi fazer prestação de uma novinha. Descobri depois que a faxineira tinha pitimbado a programação da velha, mas esta funcionava ainda. Era tarde: já tinha comprado outra...
- “É da Net??? Eu pedi alguém pra instalar um cabo aqui e ninguém me ligou!”.
- “Senhora, agora só daqui a três semanas!”.
- "Ah! OK! Se você estiver com diarréia e se eu disser que te trato só daqui a três semanas, o que diria?”.
- “Tá bem.. Vou tentar fazer uma exceção”. A exceção vai depender da vontade de alguém. Sei que já vou me emputecer qualquer hora dessas...
Eu precisava de um suporte de parede para a TV. Minha secretária disse que estavam fazendo TUDO em 6 X sem juros no Shopping Matriz!!! Ao chegar lá, o cara, muito despreparado, disse para eu olhar bem no jornal e ler a propaganda da loja: no rodapé, bem pequenininho, estava escrito que objetos que não fossem móveis, eram pagos em 3X sem juros, e não em 6X. Propaganda enganosa.
Um dia depois, ontem, descobri que faltava uma porquinha no conjunto do suporte. Fui à loja pra trocar. A gerente, muito mal educada, disse que não tinha nada a ver com o assunto e que eu tinha que ligar para o número da embalagem.
Eu simplesmente respirei e olhei com aquele olhar Dona Menô 51. Lembrei de um amigo que ficou aqui em casa por 2h e meia ao telefone, tentando falar com a HP, da impressora. Eu estou com uma impressora com defeito de fábrica. Depois de tanto tempo, disseram que dentro de um mês vão substituir o aparelho.
Quanto a esta impressora, se dependesse de mim, eu teria mandado todo mundo à merda, pois fizeram com que a gente até ajoelhasse para ver parafusos e números de série. Esse amigo foi uma dama com aquela gente. Se fosse eu, teria jogado tudo pela janela abaixo.
Então, ao encarar aquela gerente do Shopping Matriz, eu tentei ser educada. Só que meu olhar me trai. Falei: “Minha senhora, eu acho que perderá se eu levar este suporte com defeito de novo pra casa. Eu acho que vou me zangar...”.
Não sei o que ela viu no meu olhar, mas sentiu a barra. Mesmo assim, disse: “Vou fazer uma exceção! Trocarei o produto pra senhora, mas isso não é certo”. Eu não queria esfregar os direitos do consumidor nos cornos dela. Apenas peguei o produto e fui embora.
- “Mãe!!! Eu to com as mesmas perebas de 5 anos atrás! Que é que eu tomo? Aqui neste fim do mundo não tem médico que valha!”.
- “Vá a um clínico, já que não encontra dermato”.
- “Eu já comparei minhas perebas com as que vejo aqui na revista. São as mesmas: ptiríase rósea de Gibert! Posso te descrever a coisa...”.
Eu estava com a cara dentro de uma cômoda, tirando a serragem. Pedi pra ela fotografar e me mandar por e-mail.
- “Roubaram a câmera, mas to cheia de bolinha que coça; não dá nos membros, só no tronco e na coxa”.
- “Vem cá, eu não fiz pós-graduação em paranormalidade, guria! Isso não é sarna???”.
- “Eu já tive várias sarnas, lembra? É totalmente diferente!”.
Àquela hora as minhas unhas de silicone já eram. Meus cabelos precisavam da hidratação, que só depois de pagar duzentos paus, a gente descobre que é a mesma coisa que o Dove mais vagabundo do banheiro... Fui condescendente e propaguei o absurdo, ligando para a melhor alergista do Brasil:
- “Fátima, minha filha está com umas perebas assim e assado. Só que ela está no fim do mundo, noutro estado (nem São Paulo capital, nem Rio capital)!”.
Recebi uma aula de dermatologia e repassei todas as orientações para a aspirante a médica, Juju:
- “Faça isso, faça aquilo, coloque isso e aquilo. Amanhã procure um médico qualquer e me diga o que ele prescreveu!”.
Enquanto isso, meu primo desarrumava as poucas coisas arrumadas no apartamento, à procura de um parafuso...
- “Quer comer costela com paio, Maurício?”.
- “Não! Pelo amor de Deus! E não me ofereça seu arroz!”.
- “O aspirador de pó tem jeito? O tampo da privada tem jeito? O telefone tem jeito?”.
- “Vou levar tudo pra casa e ver o que presta...”.
Obama e eu temos a mesma cor neste momento. Só que ele não precisa de eletricista, marceneiro ou de vendedores imbecis. É só estalar os dedos e - BUM! - tudo à mão! Por hora, eu fico apenas à espera de consertos e adaptações, inclusive de minha vida...
Leila Marinho Lage
Rio que continua lindo, 26 de abril de 2009
http://www.clubedadonamo.com