Em nome de Jesus

Uma das coisas de que mais gosto nesta vida é viajar. O novo exerce um irresistível fascínio sobre mim e eu penso que o outro nome dele é viagem. Indo por aí, você vivencia, aprende, transmite o que sabe. Mais aprende do que ensina. Conhece novas culturas, novos seres humanos, novos costumes. Respira. Revigora. Rejuvenesce.

Entretanto, são muitas as ocorrências de viagem que encheriam páginas e páginas se o propósito fosse contar todas. Uma de que me lembro e que sempre me arranca uma bela risada, ainda que eu esteja sozinho, é a aquela por que passei numa ida a Palmas, capital do Tocantins, em meio a um grupo de pastores. Não sei de que igreja era, mas se diziam “administradores de almas”.

Até certo ponto, enquanto a noite vinha e o balbucio do ônibus não incomodava, tudo correu bem. Dormi. Minha colega de magistério, também. Mas – e é rara uma esticada por aí que não tenha um “mas” – à certa altura da noite fui acordado por um vozeirio sem tamanho. Por alguns instantes, como gato saído do saco, fiquei buscando a origem do falatório. Logo vi que ele vinha lá de entre o grupo de “gestores do espírito”.

Cobri a cabeça e tentei dormir. É engraçado, quando a gente força o sono, ele, pirracento, se manda para mais longe da gente. Minha colega professora também tentava voltar aos braços de Hipnos, o pai de Morfeu, divindades gregas responsáveis pelo sono. Mas até os deuses gregos pareciam espantados com aquele palavrio e nem deram o ar da graça, nem para mim nem para minha colega, que vinha de São Paulo, bem mais cansada do que eu, que havia tomado o ônibus no meio do percurso que tínhamos que vencer.

A luta para dormir durou cerca de uma hora. Estávamos exaustos e o estresse já subia nossos neurônios. Olhei para minha companheira de assento:

– Assim não dá!!!

– É impossível!!! Que chato. Alguém precisa fazer alguma coisa. Eles estão aí se deliciando e tirando sarro na cara dos coitadinhos que acreditam neles e vão lá aos cultos que eles promovem.

Minha colega dizia a verdade porque, de fato, eles relatavam casos de como haviam simulado ressuscitações, “em nome de Jesus”, curas, “em nome de Jesus”, milagres vários, “em nome de Jesus”; de como haviam saído com sacos cheios de dinheiro de comunidades humildes e tristes, “em nome de Jesus”; de como eram o máximo em convencimento por meio da pregação, “em nome de Jesus”. Conosco aquela orgia espiritual não estava pegando, ainda que tudo fosse “em nome de Jesus”. Pelo contrário, causava-nos repugnância, náusea, mal-estar – isso em nosso próprio nome. Se alguma coisa pudesse ser identificada naquelas falas absurdas, uma só seria ela: podridão.

A professora do meu lado voltou a pedir ação de alguém. Eu estava de terno. Eles, todos de terno também. Aí me levantei e, aproveitando a indumentária assemelhada, fui até o grupo:

– Em nome de Jesus, os senhores querem calar a boca?!!! Querem nos deixar dormir?!!

Funcionou como água na labareda. Silêncio total. Aí aproveitei para completar:

– Como Jesus não é surdo, nossos ouvidos são sensíveis e nosso sono nos é caro. Afinal, amanhã, será um dia cheio para nós. Em nome de Jesus, deixem-nos dormir!

Hoje, quando aquela minha amiga e eu nos encontramos, damos muita risada lembrando essa ocorrência. Como acreditar em quem se diz administrador do espírito e não sabe equilibrar a própria língua? Será que porque o espírito é que vale a pessoa de carne-e-osso pode ser cínica, sarcástica e mal educada?

Bom... Estou aqui a pensar que não – em nome de Jesus!