O (des) encontro


     Ela desceu do ônibus com a sensação de ser uma uva passa no pacote, amassada, imprensada, enrolada e ainda gelada feito picolé. Que mentira quando disseram-na que São Paulo estava frio... frioooo??????? Não, aquilo estava abaixo de zero. Uma mineira, quase baiana, acostumada com um sol escaldante, nem possuía agasalho (por não precisar dele) via-se torturada sentindo agulhadas terríveis, principalmente nas extremidades do corpo, rosto, mãos e pés, pareciam congelar.
     Enquanto pegava sua bagagem, entre empurrões e catucadas dos tantos passageiros que se atropelam naquele horário, ela conferia com cuidado, a bagagem, apesar da tonteira que a acometia, que mais parecia que o motor do tal ônibus continuava roncando em sua cabeça.
     Arrastando a mala e procurando um banco vazio para se acalmar um pouco, lembrava das conversas com ‘’ele’’ e, por incrível que pareça, estava fresquinho em sua lembrança o texto pelo qual ele dizia ter sido o motivo daquela viagem maluca.
     Sorria, espiando ao seu redor, enquanto repetia mentalmente, um dos tantos e-mails que mandara, após a manifestação ‘’dele’’ em saber mais dela, cuja resposta foi rápida, como que desejando que ‘’ele’’ lesse o mais rápido que pudesse e começasse a ‘’conhece-la melhor’’:


‘’A algum tempo, nem existia internet,
apenas televisão,
mas eu, com minha fértil inspiração ,
por demais, criava minhas histórias,
em fantasia ou no papel
fazendo um pedaço de céu,
daquele pedaço de chão

Em meio a tantos bichos, plantas e um montão de irmãos,
via o tempo passar e pensava: ''oh Deus, quanta desilusão !''
sonhava em viver amores, vivia  sonhos a cores,
tudo num mundo criado fora da minha razão.

Cresci, a infância feliz, na fazenda, belo rincão
ia ficando cada dia mais distante,
festas de juventude, não tive não,
trabalhava, dava duro danado, era ''mae'' de 8 irmãos.

Algum tempo depois, pensando que já estava ''velha'' demais,
fui ludibriada pelo meu próprio coração,
e começou então...
subindo calvários com minhas próprias mãos.

O tempo...ahhhhh, o tempo,
que feliz guardião,
nada deixa esquecido e, pr'os fortes,
menos esmorecidos, acha sempre uma solução.
Ergui mais ainda minha esperança,
limpei as lágrimas com as mãos,
bradei aos quatro ventos...
''NÃO ACEITO MISÉRIA NÃAAAAOOOO!!!!!''
...E O VENTO ? AHHHHH, o vento ...?
espalhou aquele grito
por todo meu querido sertão,
vi pouco a pouco clarear minha visão...

A minha familia, meus preciosos pais e irmãos,
ali sempre do meu lado, enfrentava qualquer situação...
meus joelhos se engrossaram,
minha tez escureceu,
roguei a Deus com fé, e em Seu tempo...
aos poucos aconteceu...
tomei o leme de mim mesma,
dirigi melhor que nunca...
enfrentei tantas batalhas,
uma a uma levadas ao chão.


Vergonha de contar minha história...
anjo querido, não tenho não.
São poucas palavras,
mas abri preâmbulo pra tua imaginação...
não seja conciso,
mais que eu, não há motivo,
não faz nenhum mal, mostrar seu coração.

O equilíbrio está dentro da gente...
mas desejo, faço questão de partilhar uma grande lição.
Não sou mais tão jovem,
mas muito melhor que a vinte anos , com certeza.
Retracei meu caminhar e posso afirmar,
quero ainda, ser muito feliz, é minha natureza.

Esses , são momentos singulares,
igual a eles nenhum outro será,
pena que seria enfadonho e poderia te cansar...
mas amaria poder contigo falar,
falar de tudo que for possível,
do impossível também,
falar de amor, de sonhos,
de tudo que nos fizer bem.

Ahhh...sinto teu cansaço,
sinto daqui tanta ternura,
quase pego em minhas mãos...
mas é preciso adormecer,
pra saber em sonho o que fazer com você.’’


     Sorria e pensava: ‘’acho que desta vez ultrapassei a velha ‘’batatinha quando nasce, espalha ramas pelo chão...’’ feliz por encontrar alguém que apreciava as poesias que escrevia, ‘’hoje quase ninguém liga mais pra isso’’.

     Observando todos que passavam tentava vislumbrar aquele perfil pelo qual se encantara através das fotos recebidas, também por e-mail e, nada, nadica de nada. Ninguém ! pôxa vida, 00:30, trinta longos minutos se passaram do combinado, não via nem sombra vestindo jeans e camisa azul de gola pólo. Será caíra no conto da internet ? bem feito !!! quem manda viver fora da terra, com a cabeça nas nuvens e sonhando com o tal ‘’mundo virtual’’ ? ‘’e agora José’’ ? fazer o quê ? o estomago dando sinal de fome, roncando e doendo , fe-la levantar-se e dirigir-se a lanchonete mais próxima. Enquanto procurava ser atendida passeava o olhar na multidão...e nada da tal camisa azul gola pólo.      Voltou a si ao ouvir alguém falar ao seu lado:

     __ Não se pode mesmo confiar em ninguém hoje, ela não veio.

     Era como se o homem falasse pra si, era como se ele pensasse alto, tal era sua decepção.

     Ela virou-se, analisando o dono daquela voz de veludo.

     __O Senhor falou comigo ?

     __Não moça, estava pensando com meus botões

     __Desculpe!

     __Não se desculpe, é bom falar com alguém.

     E sorvia em pequenos goles o café que acabava de chegar, indagando ao garçom pelo pão de queijo que pedira.
 
     __Pois não Senhor, que aconteceu ? - ela pergunta por perguntar, na verdade não se importa com muita coisa após esse fiasco que fora sua viagem.

     __Sabe moça, eu estava aqui esperando alguém...que não veio, que arrependeu-se ou então quis apenas brincar comigo.

     __então Senhor, hoje é o dia dos enganos, ou melhor dos desenganos, eu estou meio perdida também - e ele, continuava como se nem tivesse ouvido a pobre.

     __ Conheci uma pessoa e devíamos estar juntinhos agora, mas ela não veio, que farei pra tirar de mim essa imagem que alimentei, de estar abraçando uma mulher de vestido azul, cabelos loiros e soltos e com um lenço vermelho no pescoço ?

     Parando o copo de suco a caminho da boca, depositou-o no balcão e lentamente,  levantou-se, tirou o grosso casaco de lã e aquele cachecol que sua vizinha de cadeira a emprestara no ônibus, soltou os grampos dos cabelos que prendera na viagem e esquecera de tirar quando descera, pegou na bolsa um batom, retocando os lábios grossos e macios e tocando o ombro do homem disse:

     __Por favor, pode tirar seu casaco ?

     Sem conter a emoção, nem as lágrimas que caiam sem temor dos olhos do moço, que imediatamente tirou o casaco de couro que usava e lá estava o seu amor de vestido azul e lenço vermelho no pescoço sendo abraçada por um homem feliz vestindo jeans e camisa azul gola pólo. 


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Célia Matos
Enviado por Célia Matos em 29/07/2009
Reeditado em 29/07/2009
Código do texto: T1726501
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