A Diretora

Wilson Correia*

O professor havia entregue a documentação e cumprido as formalidades para assumir o cargo. Algo conhecido por ali só mesmo a sala de aula, de que nem havia sentido o cheiro. A cidade era outra, outras as instituições e as pessoas. Outra, ainda, era a Coordenadora do Curso no qual ia lecionar.

A sua nova Coordenadora o convidou para uma reunião pedagógica de praxe, com a seguinte pauta: “Informes”, “Recomendações”, “Normas”. Ele se sentia num lugar em que tudo lhe parecia “outro”, naquele tipo de estranhamento corriqueiro a quem chega e tem de cavar a mínima familiaridade para tocar os dias, as horas, as tarefas.

Dos “Informes” registrou na agenda uns dois eventos interessantes, mas as ditas “Recomendações” anotou todas: “Pontualidade”, “Assiduidade”, “Seguimento do programa”, “Avaliações equilibradas”, “Ética relacional”, “Produtividade” e... “Cumprimento das normas”. Aliás, as “Normas” o professor novato veio a recebê-las em impresso. Dentre elas, a que lhe chamou a atenção foi a da tolerância para o aluno entrar na sala de aula: “15 minutos”.

– Uuuuuu... tudo isso?, exclamou uma professora com os óculos na pontinha do nariz.

– No Brasil, atraso é chique, ironizou um professor, seguramente o mais velho da casa e que oferecia ares de saber do que falava.

O novato circulou o trecho “15 minutos” e o levou à turma na “Aula de apresentação”:

– Meu plano de trabalho é este (esmiuçou o programa) e as regras que proponho, aliás, vindas da instituição, são estas (esmerou-se na exigência dos “15 minutos”).

Porém, o dobro disso já havia transcorrido naquela “Aula de apresentação”, quando alguém bateu na porta. Ele atendeu e deu de cara com uma mulher muitíssimo parecida com as alunas:

– Com licença, professor?!!, disse ela, fazendo mensão de adentrar na sala.

– Sinto muito, senhora, já se passaram os “15 minutos” da tolerância, disse ele.

A aula demorou mais 20 minutos. Findo o encontro do dia, despedidas feitas, coisas pessoais acomodadas no interior da pasta, ele acenou com um tchau, no atacado, e foi saindo rumo ao corredor.

Nem bem pôs a fuça para fora da sala, deu de olho com a “barrada no baile”:

– Você sabe com quem está falando?, indagou a mulher, azeda feito limão esquecido ao sol, e já arrastando o professor de volta para dentro da sala e para a frente de toda a turma a quem havia ministrado sua “Aula de apresentação”.

– Não, respondeu ele, com toda a naturalidade que o momento exigia. Até agora, ninguém fez a nossa apresentação, não é?

– Pois então, professor, foi ela à carga: eu sou a Diretora Fundadora desta instituição. Entro e saio de qualquer sala, como, quando, com quem e da maneira que eu quiser...

O novo professor julgou não ser justo ouvir todo o sermão e bateu em retirada. Além de professor, agora ele teria de dar uma de advinho? E por que ela não se apresentou logo de saída e foi como querendo invadir a sala?

Na aula seguinte, não mais de “Apresentação”, ouviu lá do fundo uma voz a lhe indagar:

– Que exemplo de autoridade tivemos na semana passada, hein, professor?!

Uma gargalhada, em uníssono, impediu que ele dissesse qualquer coisa. Tudo o que lhe foi possível foi entrar na gargalhada também.

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*Wilson Correia é filósofo, psicopedagogo e doutor em Educação pela Unicamp e Adjunto em Filosofia da Educação na Universidade Federal do Tocantins. É autor de ‘TCC não é um bicho-de-sete-cabeças’. Rio de Janeiro: Ciência Moderna: 2009.