O que muda na gente ???

Não sei se algo muda na gente ou se é a gente que muda diante das coisas, consequências penso. Pode ser que algo muda na gente quando mudamos diante das coisas ou quando as coisas mudam para gente algo muda em nós. Parece conversa de doido, mas alguma coisa mudou.

Não sei, ao certo, se foram as músicas que mudaram, se foi a camada de ozônio (isso foi o que mudou minha quantidade de sardas pelo corpo), se foi o mar atravessado, se foram meus escritos, se foi a quantidade de leitura que fiz, não sei o que mudou. Não consigo explicar se isso partiu de fora para dentro ou de dentro para fora. Mas, vamos à teoria.

Tenho uma amiga, de muito tempo, estudavamos juntas no tempo da adolescência, muito inteligente e bonita. Alta e magra sabia tudo de matemática e da Língua Inglesa, duas coisas que nem imagino como funcionam até hoje. Portadora de uma memória invejável. Tinha as unhas mais compridas que qualquer menina de nossa época poderia ter (não sei se é porque na época roia as minhas, mas as delas eram enormes). Com cabelos na cintura e loiros andava num passo largo e com uma postura francesa que dava gosto de se ver. Sem contar os olhos esverdeados e o jogo de volei, era ótima, não sei como aquelas unhas não quebravam, deve ser pela elegância, na qual se movimentava. Ah... e tinha uma letra, dessas que são desenhadas, toda contornada, a coisa mais linda. A letra “a” ela fazia que ficava olhando como poderia ser tão perfeita e o meu “m” de Maria, que uso até hoje, copiei dela, de tão singelo que achava. Fazia os dois “morrinhos” e o terceiro, quando terminava, ela puxava para baixo fazendo uma curva para dentro e soltava à caneta com um detalhezinho para cima. Como me lembro disso, tão vivo na minha mente.

Pois bem, o tempo passou e depois de vinte e cinco anos, encontramo-nos. Sinceramente, mudamos muito, tirando o olhar, não sobrou muito da nossa adolescência, porque tivemos nossos ricos filhos, já não temos mais tempo para cuidar dos cabelos longos (se bem que nunca os tive, no máximo ao ombro), queremos comer mais do que jogar volei e aqueles sonhos de meninas, da escola, também se foram.

Os meus sonhos e os dela jogamos para nossos filhos, ela continua casada com o mesmo marido, separei-me e não quero mais marido. Tirando essas coisas da vida, cronológicas, que obrigatoriamente mudam, peguei o tempo e tentei ver o que mudou de verdade em mim e nela. E percebi que algo, realmente havia mudado. Que fizemos, exatamente, o processo ao contrário.

Somos mais maduras (claro) tinhamos vinte e cinco anos a menos, e na época nem éramos muito amigas, sabe? Existiamos em nossos silêncios. Assim, eramos, mas não eramos confidentes e nem cumplices. Íamos à escola juntas, porque saia da minha casa, ali na dezoito de novembro, pegava a Edu Chaves e ia recolhando cada uma na sua casa, sempre caminhando. Lembro que ao andar pela calçada sempre tinha um engraçadinho a dizer coisas para nós. Encabuladas riamos baixinho e seguimos. Lembro também, que sempre andava de cabeça baixa, acho que tinha medo de olhar para frente. Hoje não, hoje meu olhar é alto e à frente. Então, chegavamos à casa dela. Tinha um corredorzinho, porque a casa dela ficava aos fundos (muitos moravam assim naquela época e Porto Alegre era mais alegre do que porto) e lá saia ela. Recordo como se fosse hoje, cabelos ao vento, lindos, ela bem magra, com os livros pegando debaixo do seio esquerdo e apoiados no braço, assim, como as meninas não usam mais. E vinha ela com aquele andar dentro do seu agasalho azul de listinha da Adidas, nossa, o dela tinha dois bolsos, e viviam abertos, o meu não; e isso me frustava muito porque somente tinha esse de dois bolsos quem já tinha tamanho para usar e considerando isso, claro, ela era mais moça que menina. E o que mais me incomodava no agasalho dela é que tinha também um fecho lá embaixo na perna, so teria um desses, depois de muito tempo, porque precisava ter altura também para isso. Recolhiamos e seguiamos, até à escola mais algumas quadras, num sei precisar, ela deve saber, diante da memoria que ainda tem. Antes de entrarmos para aula, sentavamos na pracinha que tinha logo perto, escutavamos o sinal de entrada e iamos. Ela nunca matava aula, nós sempre. O problema era aquela bendita cardeneta vermelha que no outro dia ia o carimbo da falta do dia anterior. E essa era nossa convivência. Sem segredinhos, sem nada, existiamos assim. Somente assim. Nem iamos visitar nossas casas aos finais de semana e nem falavamos de namorados. Viviamos assim.

Até que nos encontramos. Na verdade foi ela quem me encontrou. Quando recebi aquele e-mail nem acreditei.

Vinte e cinco anos depois, o que mudou? So sei que algo mudou.

Hoje falamos de sonhos, de vontades, já não a vejo mais, como no tempo de escola, falamos por esses métodos modernos da internet, ela está em Porto Alegre e eu em Lisboa, duas capitais muito parecidas. Ela fazendo especialização em sua área e eu na minha, ambas continuamos em escolas públicas (hoje universidades), nossos filhos não (nos melhores colégios particulares), ela vai se formar mais cedo que eu, claro, matava menos aula. Ela trabalha em uma boa empresa, estou desempregada, mas somos as mesmas, não mais silênciosas.

Sempre ouvi falar que amigos, de verdade, podem passar anos sem se falarem, entretanto, o dia que se encontrarem, será como continuar onde pararam, extamente naquele mesmo lugar.

O que mudou realmente, foi saber que o tempo passou, que fizemos tudo que tínhamos para fazer, do jeito que era para ser feito ou não e ainda continuamos a caminhar rumo à escola, como diz a letra da música, “ainda “somos” “uma garotinha”. A viverem de sonhos, rirem dos desencantos, choramos mais, estamos mais loucas do que nunca e vinte e cinco anos se passaram.

Será que algo mudou de dentro pra fora ou foi de fora para dentro?

Não sei precisar, so sei que ainda somos uma garotinha.

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Gislaine Becker
Enviado por Gislaine Becker em 03/09/2009
Código do texto: T1790393
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