O gol mais bonito da rodada

O gol mais bonito da rodada.

O dia não estava bom, nada bom para o Ninico. A mãe da Janete tinha tido um piripaque um pouco depois dele chegar e só de Pronto Socorro foram mais de duas horas. A mãe mal, nada de beijinhos ou carinhos, só o pedido de cenzinho para pagar luz e água atrasadas. O pneu furado, borracheiro longe dois quilômetros, estepe murcho, um sol de estourar mamona, ia se atrasar sem sombra de dúvidas.

O mais complicado era não saber o resultado do jogo. Se a Marciene pergunta algo a respeito. . . Foi quando se lembrou do Carlão.

Vascaíno como ele, também pudera, ambos moradores em Realengo, o Carlão não perdia um jogo, por mais reba que fosse. Qual era o número mesmo? Testa esfregada com força tentando forçar a memória, mais um pouco, digitou.

- Pronto?

- Carlão? Sou eu. Ninico.

Havia um leve estremecimento no tom de voz do outro lado?

- E aí, Fera? Que manda?

Uma engolida em seco antes.

- Quanto foi o Vascão? – (tossida) Não fui ao Maraca hoje. (pausa) Se a Marci pergunta, fico sem saída - explicou.

Foi a vez do outro tirar um pigarro inexistente da garganta antes de resmungar 2 a 1.

“Só?” pensou Ninico. “Um timinho desses com um nome estrambólico de Asa de Pirararicaia, Pararicaia, Puraricaia, sei lá que aia e o Vascão só mete dois? E ainda toma um?”

O borracheiro terminou o serviço. Um pouco mais caro que o normal. “Domingo, cumpadi”. Ainda teve tempo de se lembrar de Janete.

Desde que se enroscara com ela, coisa de três, quatro meses antes, não assistira mais jogo nenhum. Dia de jogo do Vascão saía de casa e em vez de seguir para São Januário ou o Maracanã, se encaminhava para a casa da morena, passista da Mangueira, uma bundinha durinha, durinha, e umas coxas assim ó, recém largada do marido e duas, três horas de prazer depois, voltava para casa, rabo enfiado nas pernas, mais amoroso que marido em lua de mel.

Marciene no banho, guardou a bandeira atrás do criado-mudo antes do “cheguei, amor”, uma cerveja gelada da geladeira e foi para o quintal fumar, puto da vida pela tarde perdida e da esposa viver bronqueando com o cheiro de cigarro.

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10 da noite.

Estranhou um pouco o silêncio da companheira durante o jantar. Sempre de falar pelos cotovelos, a Marciene ficou no mundo da lua o tempo todo, apenas respondendo com huns huns as perguntas sem sentido, deixando ele com um friozinho na barriga. Coisas de culpa no cartório.

Finalmente os gols da rodada. O comentarista, sorrisinho maroto nos lábios- Tem cara de flamenguista! pensou- fala da piabada levada pelo Vasco na Copa do Brasil. 5 a 0 do Asa de Arapiraca . E da eminente demissão do técnico pelo vexame sofrido. Ficou ali , pensando no porque do amigo ter mentido.” Será que ele também tá aprontando?” Isso explicava a voz trêmula no celular . E deu graças a Deus da mulher não ter perguntado nada do jogo. Ia ser complicado explicar a alteração do placar favorável de 2 a 1 para os 5 a 0 e para um timinho que nem nome bonito tinha. E ela, Marciene. . . Bem, ela toda dengosa e perfumada, a cabeça recostada no ombro dele, sorriso nos lábios ainda mais maroto que o do comentarista da teve, fazendo rodamoinhos com os dedos nos pelos do braço dele, pensamento lá longe, só lembrando os detalhes do golaço que o Carlão tinha acertado esta tarde. De placa, no ângulo. E DE PRIMA!

Nickinho
Enviado por Nickinho em 04/08/2006
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