A Esfinge Eufórica

A redenção que o eu exige sempre esteve mistificada na sua relação com o outro. O outro por sua vez jamais carregou consigo o poder de transformar a mediocridade em semideus. A vaidade espirituosa de algumas celebridades póstumas levou seus sujeitos a um auto-engano necessário, entretanto, demasiadamente enfadonho. Às vezes penso que se o espírito do ser sobreviver à miséria que transborda nesse mundo, talvez a vida carregará consigo um sentido, que expie ao menos, a tortura inescrutável da existência. A grandiosidade desse sentimento acompanha a possibilidade de seu fracasso. Definitivamente o absoluto não é um amor perfeito ou uma liberdade inesgotável, tampouco a teoria que dá conta de tudo, mas sim a realização do ser em uma realidade que não o transforme em parasita da libido alheia. O espírito da alteridade está envenenado de morte a ponto de converter a degeneração do eu em indiferença. Somos como a esfinge que encontra viajantes para oferecer a eles nosso enigma, cuja resposta é inconciliável com o real. A monstruosidade reside no desejo de aniquilação daquele que por desvario ou dependência tentou aniquilar a monstruosidade de nosso desencanto. O último espírito livre fora traído. O eu impotente sempre busca em sua embriaguez narcótica um mulanbento mais eufórico para redimi-lo, a ressaca consiste em perceber quem foi para o calvário. A insanidade está na celebração do holocausto. Os inocentes sempre foram os melhores protagonistas. Nosso mundo goza a liquidação do eu associando a técnica ao culto do sacrifício vivo. A consciência disso é angústia daquele que quer abandonar as ruínas da loucura para contemplar a consagração de um delírio. A ascensão da insignificância metamorfoseou a verdade objetiva em estupidez arcaica. A certeza sensível é ainda mais necessária num mundo que vive de aparências. Que o ser possa enfim descansar ou trancafiar as portas de sua fantasia perversa. Este é o juízo final. Não há redenção. A última ceia é a jornada que a alma nunca conseguiu compreender. O Redentor é o último mendigo; é o que todos nós somos e abominamos, é a condenação que o eu desfere ao inocente, é a nostalgia de uma hipocrisia que nós nunca perdemos. O prośelito àvido por crença é o mais antigo algoz da humanidade. Ele trabalha duro na degradação do eu e só descansa em seu culto, para ver a si próprio como vítima da hecatombe que é a síntese de sua vontade com a pobreza. A teologia da reificação substituiu a fé genuína há tempos. O temor é o medo da perda de uma consciência que nunca se realizou. Estamos embebidos em nosso próprio sangue. Sanque que escoa das mãos que acariciava o espinho da rosa que amavamos; nós nem podemos amar; isto não pertence ao reino demoníaco da sobrevivência. O suicídio é a decisão moral que a consciência nunca conseguiu realizar. Se ela soubesse que teria que morrer mais de dez vezes apenas em uma vida, a coragem seria o último instântaneo da qual ela necessitaria. No livro da vida estão escritos apenas os nomes da perfídia em belas faces. O vencido e o sujeito pensante estão nas mesmas fileiras. Eles caminham em ritmo de desespero abismo abaixo. Diante de tudo isso, o último mendigo, se conhecesse a Tibério, certamente desejaria que os representantes dos escombros silenciosos fossem apenas uma pessoa, para que, com um só golpe o maior estigma doentio de nossos tempos desaparecesse.

Vinicius Mecenas Hoffnung
Enviado por Vinicius Mecenas Hoffnung em 10/09/2006
Reeditado em 12/09/2006
Código do texto: T236673