Belíssimos Simulacros
Todas as noites diz o poeta desesperado:
- Acompanham-me um espectro e o desencanto
O eu posiciona-se equivocadamente na tensão entre o sentimento e a razão. Lugar maldito, inferno destituído de esperança. Estou longe e isolado de ti, mas seu espectro tormenta perturba covardemente:
- Ao acaso alguma ilusão decepcionada te abala?
Uma lágrima na face do miserável lhe sacode as terríveis lembranças e entre soluços responde o cavaleiro da triste figura:
- A solidão e o fracasso, o derrotado é um esquecido.
O espectro ri, com um diabólico feitiço desferido contra aquele inocente pretensioso, o humanista:
- Traição e mentiras, como é residir morada no abandono?
Uma fúria guerreira invade o anti-herói das palavras:
- Amei simulacros e autômatos, mas quem condenará meu idílio nostálgico denominado emancipação? Afinal de contas, não tenho sido verdadeiro até aqui? Minha essência não ama a nudez anêmica da humanidade que pretendo libertar?
Sarcástico indaga o espectro:
- Tua alma tão transcendental não sente os calafrios de um medo insondável chamado impotência?
O ente apócrifo responde:
- Vislumbro apenas cadáveres! Até hoje, o mundo tem sido uma vala comum; a existência uma celebração fúnebre que jamais cessa. A impotência é apenas o testemunho petrificado da dominação. Nós vencemos o medo e a morte com a conscientização do aniquilamento, afinal de contas, desenvolvemos a capacidade cínica de gozar a eliminação do indivíduo. O esclarecimento se estagnou na imobilização da esperança e o que resta ao sobrevivente, senão, o desperdício e a destruição?
O espectro fascinando grita:
- Você tem poderes proféticos!
E o desgraçado pensando alto suspira:
- Não, tudo isso é apenas uma imagem do cotidiano.