Nós, os noctívagos

Incompreendidos seres nós somos,

porque vivemos a madrugada.

Nosso jantar é uma ceia

sob o céu estrelado,

nosso café da manhã,

é refeição

sob as doze badaladas do meio-dia.

Somos dos poucos que sorvem

a brisa da noite estupenda

penetrando madrugada adentro.

Podemos ouvir o pio da coruja

debaixo da lua rosada,

assim como o gorjeio de pássaros,

sob o sol pálido do amanhecer.

Apenas nós conhecemos o parto da manhã,

e a mutação das sombras em cores.

Somos como guardiães do sono,

dos que vivem a partir da manhã,

e que pouco após o cair da noite,

já adormecem sem viver.

E nessa solidão da noite,

Nós, os noctívagos seres,

grávidos de nós mesmos

somos plenos.

É quando mais acompanhados estamos,

em nossa única companhia.

Comungamos com o silêncio,

dele extraindo rara sabedoria.

Nesse momento sagrado

somos como Deus no ontem tão distante

que criou o hoje e o amanhã.

E como criatura,

creamos um momento eterno

nesse mundo tão particular

como é o nosso.

E só depois do orgasmo, gestação e parto,

caímos no sono reparador

guardado pelos anjos que acordam

para colorir de arco-íris

nossos sonhos mais secretos.