Fragmentos dominicais

Eis aqui o fragmento dominical. Cotidianamente falando, o que esperar? Aqui comigo, algum livro visitará meus olhos e me entrará sinapses adentro. E eu poderei reescrevê-lo porque a obra é parte do autor, mas, incompleto, o livro serve ao cocriador.

Na igreja ao lado os ungidos virão acordar-me com seus cantos e petições. De minha parte, perguntarei se há cantinho à prova de som em algum recôndito lá no céu.

O jornal será aberto junto à xícara de café e pão-de-queijo, porque Minas ainda é o presente são. E eu haverei de me indignar com o fato de gente a morrer para o jornalista vender diário, mandando às favas o infeliz que morreu.

Em fragmentos cotidianos multiplicados as famílias vizinhas estarão reunidas no amor e no ódio que só aos domingos costumam acontecer. Uma vez mais demonstrarei inconformismo com coisas tipo distância, negação e outros trapos de cotidiano ser.

Uma idazinha ao clube servirá para lavar o peito, fragmentalmente carregado de dia-a-dia a não saber mais o quê. Aí tomarei a palavra à espera de respiro leve, em que, inteiro, estarei aqui, ali, aquém e além, sem nada temer, nem ninguém.

A tarde me colherá na sensação de que segunda-feira é plenamente dispensável. Oh, sagrado pedaço de ócio, porque teu destino é desdurar?

Neste átimo dominical, dádiva de Cronos, estou certo de que à noite haverá conversa nervosa de amor em prosa. E eu me revolucionarei em promessa. Farei de mim o melhor dos amantes: ciumento, sonhador e inconformado, mas completo rendido. E terei o projeto feito canteiro de ilusões urgentes e inarredáveis. E desejarei daquele Deus do crente a mexida nos pauzinhos, para eu ter a graça de respirar meu sonho, feito de entrega e encontro.

O domingo foi feito para reunir outros fragmentos cotidianos: fofocas desinteressadas, pênaltis batidos e times fora da tela, além de amores vários, suicidas potenciais, solidões doídas, idas e vindas, sono preguiçoso, rede para o esqueleto e aquele calção batido como noite acordada em clarão mal resolvido.

Mais cotidiano em frangalho e sem unguento: guerras condenadas, políticas reprovadas e o sempre e marcado lugar onde o humano destroça-se no outro, porque havendo o injustiçado é a justiça em vir-a-ser inteiramente extirpada, bem ali, na tela da tv.

Dominicalmente cronificando, o cotidiano cochila em rede de fragmentos. A rua é livre. O sossego, ameaçador. A comida, especial. O tudo e o nada passeiam pelo bem e pelo mal.

Um domingo despedaçado é pura insolidez, grotescamente belo para me lembrar outros dias semanais: cotidianos, humanos, marginais.

Mas porque agora é um naco de domingo, tenho de viver este fiapo diário ou me lembrar na morte múltipla de cada hora, preparando-me para amanhã, quando a vida, qual restinho diuturno, não perdoará o não futuro.

Ah! Este instante... Tão fragmento, tão cotidiano, tão mesmicidade, tão vida, tão desafiante, tão igual a todos os fragmentos cotidianos!