- Muitos me perguntam que razões me levaram a escrever sobre saúde e doença. Com certeza foi a percepção de que o que nós médicos oferecemos hoje aos indivíduos que nos procuram em seus momentos de falta de saúde é insuficiente em relação ao resultado final que desejamos ambos, médicos e pacientes. Tem sido quase como “enxugar gelo”. Freqüentemente podemos postergar desfechos negativos, é verdade. A previsão do que vai acontecer é tão ou mais assertiva do que a da análise meteorológica. Mas na maioria das vezes é só o que conseguimos. Acredito que a educação para a saúde seja um meio eficaz, simples e barato de mudar este cenário. Através da informação contínua e de uma relação menos impessoal entre o agente de saúde (seja ele medico, enfermeiro, fisioterapeuta ou psicólogo) e o assistido, podemos melhorar a qualidade da vida nossa e daqueles que virão depois de nós.


-O papel do médico deve ser cada vez mais ajudar o leigo a entender melhor o adoecimento e priorizar a prevenção da saúde em detrimento ao tratamento da doença! Reforçar o controle do individuo sobre o seu corpo, a sua saúde e em última instância, a sua vida. Que façamos todos uma profunda reflexão sobre a qualidade de vida possível na longevidade já conquistada! Vivemos mais, com certeza, mas a qualidade de vida não acompanhou os índices de longevidade. E que passemos para a ação em vez de apenas aguardarmos novidades médicas (avanços) que podem não chegar em tempo de nos ajudar em nossa senilidade. Começar por exemplo por modificar uma realidade incômoda que já vivemos: somos hoje o segundo estado brasileiro em que o índice de massa corporal excede em muito o desejável. O sobrepeso atinge pelo menos 50% da população carioca! E com ele, as doenças crônicas como hipertensão arterial e diabetes mellitus; os problemas de arquitetura do corpo (obeso) levando à necessidade cada vez maior de cirurgias de joelho (que não agüentam por muito tempo esse peso a mais que carregam) e de próteses ortopédicas, sem falar no implante de “stents” (na doença arterial coronariana) tão freqüentes hoje e cuja necessidade se deve em parte também ao sedentarismo e à má qualidade da alimentação (“fast food”). Vivemos uma época de caos ambiental e este mesmo caos existe dentro de nós. Cada vez mais (e coletivamente), nosso organismo tem mostrado ser incapaz de orquestrar sozinho as mudanças necessárias à retomada da saúde. Vivemos a era das doenças auto-imunes e da epidemia de câncer,entre outras mazelas crônicas.Mas temos escolha,com certeza. E podemos optar pela saúde, vivendo com prazer sim, mas numa equação possível de equilíbrio com o bem estar.

- Muitas vezes torna-se opção do paciente ter saúde ou não devido a comportamentos e atitudes que têm (e mantém). Seja na situação de pacientes ou médicos, somos todos iguais, temos o mesmo comportamento. O que importa é o aqui e o agora. O prazer pelo prazer, seja em relação à comida, ao lazer, ao cigarro, à droga licita ou ilícita.Sabemos todos que a grande maioria das doenças responsáveis pelas mortes de causa não natural hoje em dia (e que poderiam ser evitadas) são as degenerativas. Sabemos ainda que elas estão relacionadas em maior ou menor grau aos pequenos ou grandes prazeres diários que aumentam o sedentarismo, levam à obesidade ou reduzem a capacidade de retomada do equilíbrio orgânico (como no caso do cigarro e do álcool e das outras drogas). E a grande maioria de nós não consegue mudar de hábito. Nem mesmo nós médicos (enquanto maioria) somos exemplo ou divulgamos a necessidade de mudança de atitude, já!  Assim como os pais ensinam mais através do exemplo do que da palavra, entendo que se mudarmos nós, médicos, o indivíduo assistido por nós, desde que bem orientado, mudará também.


- A curosidade sobre se existe alguma doença ou sintoma de doença ocular que tenha vinculação exclusivamente feminina? Toda e qualquer exclusividade feminina em relação a doenças e sintomas se deverá necessariamente à herança ligada ao sexo (geneticamente determinada) e o olho será um dos órgãos atingidos, mas não  o único. Nesses casos as alterações oftalmológicas se deverão a disfunções motoras oculares (estrabismo), ou à catarata, retinopatia ou atrofia do nervo óptico. Mas elas são bem mais raras do que as doenças ou sintomas atribuídos em grande parte a um desequilíbrio hormonal possível (e freqüente) nas várias etapas da vida da mulher. Esses fatores levam à predominância do sexo feminino nas estatísticas relacionadas à DMRI, ao olho seco (da menopausa ou da doença auto- imune como a síndrome de Sjogren ou do distúrbio endócrino como no hipotireodismo p.ex.), à hipertensão intra-craniana benigna da S.O.P.(síndrome dos ovários policísticos) e outras mais.


-Um outro aspecto interessante é o papel da mulher na manutenção da saúde da família. Acredito que cabe a nós mulheres o papel primário na prevenção e educação para a saúde. Somos essencialmente cuidadoras e procriadoras. E temos mais experiência na esfera do cuidado com a saúde: as estatísticas mostram que procuramos mais que os homens a orientação e o cuidado médico. Então fica aqui um chamado ou sugestão para que nos movamos neste sentido. Que possamos assumir essa responsabilidade e nos instruamos mais para cuidarmos melhor da nossa saúde e da saúde de quem amamos. E que consigamos com nosso exemplo mudar os homens à nossa volta sejam eles companheiros, filhos, netos ou amigos apenas.



Esse texto é uma adaptação da entrevista publicada no Jornal DuRosas (junho 2011) sob o titulo "Olhando para a saúde".