Saúde: a angústia da impotência


Ansiedade, angústia, impotência, desespero...dor.

 

Já pensou seu pai no setor de emergência de um hospital, diagnosticado com aneurisma de aorta abdominal que em seguida se rompe? Você agradece a Deus que ele já estava internado quando da rotura. E logo em seguida se vê enlouquecer com a situação inimaginável: a prótese que salvará a vida dele custa 150 mil reais, o convênio (ou plano de saúde) não cobre o custo (segundo informações do hospital) e em alguns minutos você tem que resolver o que fazer!

Quem de nós não assina qualquer termo, faz qualquer coisa para ter a prótese implantada e garantir a sobrevivência de um pai? Esta situação leva dias depois a um impasse legal. O distribuidor reclama do cheque sustado (você deu o que tinha,num primeiro cheque e fez outro cheque no valor da diferença para ser depositado dias depois enquanto corria atrás de alguma solução viável, contato com o convenio, ou qualquer outra ajuda.

Um processo judicial em andamento e o impasse com o plano de saúde.

Isto aconteceu com um conhecido meu. Um médico.

Há muito se conhece a situação caótica da saúde. Mas aqui não se discute a disponibilidade de hospital ou de médico ,situação responsavel pela vida ou morte de um individuo. A falta de recurso para o atendimento é a questão. Ou melhor, não! O recurso existe...mas só está disponível para quem pode pagar por ele.

Então SUS, convênios e planos de saúde individuais ou planos coletivos, hospitais e policlínicas que se responsabilizam pelo atendimento de um certo numero de vidas de associados,enfim, qualquer que seja o perfil de atendimento em saúde hoje, exceto na clinica privada, estamos todos no mesmo barco: desassistidos de alguma forma em nossas necessidades, num momento ou em outro. Uns bem menos, outros bem mais. Mas de alguma forma, todos sofremos com o modelo atual de gerenciamento da saúde.

Os procedimentos de emergência que implicam em salvar vidas devem por principio estar ao alcance de todos. Não vou ser hipócrita a ponto de dizer que não imaginava que todos os dias morrem pacientes na mesma situação ou por questões similares. Falta de atendimento,  tomógrafo quebrado, diagnostico tardio, falta de material para assistência à parada cardio-respiratoria na unidade móvel que transporta pacientes em real situação de emergência...esta é a realidade do dia a dia médico. Mas, quando acontece perto de nós, somos forçados a tomar conhecimento da realidade que  vínhamos tentando esconder de nós mesmos.

A maioria de nós escolhe opções de vida diferentes das exigidas pela situação orgânica de cada um. Preferimos o atalho mais curto. Preferimos tomar mais remédio em vez de deixar o sedentarismo e fazer restrição ao  sal quando hipertensos, por exemplo. “Empurramos com a barriga” a situação apostando que não acontecerá conosco um desfecho negativo. Nada de ser pró-ativo!

É tão mais cômodo ser assim!

Quando pensaremos em estratégias a curto, médio e longo prazo para termos um Modelo de Saúde que nos assegure, ao menos na questão emergencial, o respeito à vida e a qualidade da assistência que todos merecemos?

Numa democracia as regras são ditadas pela maioria. Os que podem pagar serviços e bens de custo elevado são poucos entre nós. Mesmo nós, médicos, a maioria assalariada ou vivendo de múltiplos empregos seguimos “anestesiados”, ignorando a urgência da mudança de rumos na Saúde. Como temos conhecimento médico, levamos alguma vantagem sobre o leigo na hora da doença. Mas e os exames de imagem de última geração, as próteses e órteses, as unidades de tratamento intensivo? Um custo ainda muito elevado para a maioria de nós.

Então o que falta para assegurarmos tecnologia de ponta e qualidade de atendimento para todos? A mobilização só virá quando nós estivermos sofrendo “na pele” o desespero do leigo, na sensação de impotência frente ao caos instalado na saúde? Ver a vida de um pai, mãe, irmã ou filho depender de um sistema falido de assistência sem nada poder fazer?

Mudanças são necessárias e urgentes. E só dependem de nós! Se todos trabalharmos em torno de um mesmo objetivo, cada um doando o que puder doar, seja tempo, conhecimento ou  recurso financeiro, conseguiremos mudar o cenário! Falta apenas acreditar que a mudança é possível!

Mais uma vez me vem à lembrança o papel das redes sociais nas mudanças levadas a termo em nações oprimidas como Egito e Líbia.  Anos de sofrimento, péssimas condições de vida e a percepção do momento-limite e do direito de mudar fizeram toda a diferença para esses povos.

As doenças crônicas degenerativas aumentando em escala exponencial com certeza nos levarão ao mesmo momento-limite. A todo o momento no noticiário ou não, famosos e anônimos são vitimados por elas. Quantas perdas serão necessárias para nos mobilizarmos?

A Saúde precisa de nós, médicos e leigos! O que cada um de nós pode fazer a respeito?