Atendimento ginecológico para meninas
Capítulo II
Ela tinha 5 anos de idade. Quando a minha atendente me informou que ia entrar uma criança, quase tive um treco, pois eu estava cansada e não queria despender mais energia do que eu tinha, uma vez que atender adultos é uma coisa, mas criança é outra bem diferente...
Quanto mais jovem é o ser humano, menos informações úteis temos através do que falam. Bebê, então, é uma incógnita e eu jamais seria pediatra - nunca, jamais! Pelo menos adulto informa verbalmente o que está sentindo, além de não precisar de tradutor... E quando eu me vejo diante de surdos-mudos ou de alguém com dificuldades na comunicação verbal, aciono o co piloto pra voar comigo. Tenho duplo gasto de energia, mas acaba tudo bem, mas com criança a coisa é pior, pois elas falam, mas verbalizam coisas que eu não gosto de ouvir, na maioria das vezes, como: “Não quero”, “Ta doendo!”, “Socorro!”. Eu me sinto um carrasco às três horas da tarde, procurando sair desta fantasia sórdida...
Crianças têm o hábito de dizer que tudo dói, pois aprenderam ao longo do seu conhecimento de mundo que dor faz aparecer instantaneamente um colo de mãe. Se dentista faz barulho com aquele aparelhinho horrível, lá vem a tal “dor”: “Mamãe, tá doendo!”. Imaginem colocar um suab, um cotonete, na vagina de uma criança, pra coletar material para exame. Nunca dói, porque a gente sabe se dá ou não dá pra fazer, mas lá vem a frase recheada de súplicas...
A menina entrou com um ursinho de pelúcia nas mãos. Mexeu em tudo na minha sala e, obviamente, como todo anjo (porque são anjos que vieram pra enfartar ginecologistas) ela pulou na minha balança e tentou lavar as mãos em bacias contaminadas... Como meu consultório parece um parque de diversão, ela estava solta! Até então ela não se ligava no que estava fazendo ali.
Enquanto isto, eu tentava entender o motivo da consulta. Ela vinha encaminhada pelo pediatra, que não conseguiu resolver seu caso. Ela tinha corrimento purulento, o que podia causar uma infecção mais grave no futuro. Minha tarefa era colher material da vagina e receitar antibiótico e/ou creme vaginal.
Prescrever antibiótico era mole, mas ensinar uma mãe a colocar creme vaginal com sonda numa criança é coisa de doido! Tudo é fácil e perfeitamente executável se a mãe for “cabeça” e se as crianças não gritam, antes mesmo de a gente as tocar...
Depois que compreendi o caso da menina, interrompi sua brincadeira em minha sala, quando metade das coisas já estavam no chão, e a orientei a tirar a calcinha e deitar na mesa ginecológica. Aquilo foi um banho de água fria a 38 graus de febre... Ela arregalou os olhos e começou a contrair os beicinhos, fazendo cara de choro.
Vi que ali eu encontrava uma fera e eu não ia de me debater com uma. Como a mãe era tranquila, decidi chamar “Dona Menô” pra me ajudar:
- “Guria, to cansadona... Trabalhei muito hoje... O que eu vou fazer é tirar sebinho da perereca e não vai doer, mas se quiser desistir, tudo bem! Eu não vou te agarrar, eu não vou te forçar, eu não vou brigar contigo, porque eu odeio crianças!”.
Ela escondeu um riso e vi nisto um atalho. Como a mesa ginecológica é móvel, disse pra ela que aquilo era como montanha russa. Ela sentou e deitou automaticamente, olhando desconfiada. Depois eu disse que ela tinha que colocar as perninhas nas perneiras, que nem bailarina. Ela o fez, mas cobriu a vulva com a camisola, que é estampada com smurfs. Eu disse que não era paranormal e não conseguiria ver a xereca por telepatia. Ela riu de novo, mas começou a chorar de imediato. Eu a fiz escolher: ou chorava ou ria...
Depois de algumas tentativas, onde a mãe foi um componente importante neste momento, colhi material suficiente pra citologia e ela saiu serelepe daquele lugar. Depois eu me dirigi pra minha mesa de atendimento e disfarcei um pulo de surpresa quando a menina começou a falar a partir de então.
Já que ela tinha passado pela “prova dos nove”, começou a zoar de todos à sua volta. Perguntou pra mãe se tinha medo de ser examinada. A mãe disse que não. Então a menina a convidou a deitar naquela cama. A mãe disfarçou, mas a menina logo se dirigiu à secretária, perguntando a mesma coisa. A secretária disse que não dava pra ser examinada naquela hora. Então a menina veio com esta:
_ “Pois é! Vocês dizem que o exame é moleza, mas ninguém quer deitar ali!”.
Eu fingia seriedade, mas a vontade era de deitar no chão e dar gargalhadas, mas eu não podia... Eu estava escrevendo uma receita... A menina, talvez adivinhando o que eu sentia, resolveu dar a revanche: pedia pra secretária a colocar de novo na montanha russa, porque ela adorou a coisa... Minha funcionária, sabiamente, subiu e desceu com ela naquele parque de “diversão” improvisado.
Após a receita, mandei acabar com o circo e chamei a criança de 5 anos. Ela se debruçou, apoiou um braço na mesa e sustentou seu rosto numa mão, fazendo cara de quem não estava nem aí com a hora do Brasil. Eu perguntei:
-- E aí? Deu dor?”.
Ela respondeu:
- “Claro que não!”.
Eu retruquei:
- “Então por que chorou?”.
Ela me olhou por alguns segundos e utilizou uma tática que em breve utilizará muito em sua vida – a esperteza – e respondeu”
- “Ah! Eu tava fingindo!”.
Isto aconteceu em setembro de 2011 em meu consultório no Rio de Janeiro, Brasil.
Leila Marinho Lage
CRM 52-38501-5
Clube da Dona Menô
http://www.clubedadonameno.com
Capítulo II
Ela tinha 5 anos de idade. Quando a minha atendente me informou que ia entrar uma criança, quase tive um treco, pois eu estava cansada e não queria despender mais energia do que eu tinha, uma vez que atender adultos é uma coisa, mas criança é outra bem diferente...
Quanto mais jovem é o ser humano, menos informações úteis temos através do que falam. Bebê, então, é uma incógnita e eu jamais seria pediatra - nunca, jamais! Pelo menos adulto informa verbalmente o que está sentindo, além de não precisar de tradutor... E quando eu me vejo diante de surdos-mudos ou de alguém com dificuldades na comunicação verbal, aciono o co piloto pra voar comigo. Tenho duplo gasto de energia, mas acaba tudo bem, mas com criança a coisa é pior, pois elas falam, mas verbalizam coisas que eu não gosto de ouvir, na maioria das vezes, como: “Não quero”, “Ta doendo!”, “Socorro!”. Eu me sinto um carrasco às três horas da tarde, procurando sair desta fantasia sórdida...
Crianças têm o hábito de dizer que tudo dói, pois aprenderam ao longo do seu conhecimento de mundo que dor faz aparecer instantaneamente um colo de mãe. Se dentista faz barulho com aquele aparelhinho horrível, lá vem a tal “dor”: “Mamãe, tá doendo!”. Imaginem colocar um suab, um cotonete, na vagina de uma criança, pra coletar material para exame. Nunca dói, porque a gente sabe se dá ou não dá pra fazer, mas lá vem a frase recheada de súplicas...
A menina entrou com um ursinho de pelúcia nas mãos. Mexeu em tudo na minha sala e, obviamente, como todo anjo (porque são anjos que vieram pra enfartar ginecologistas) ela pulou na minha balança e tentou lavar as mãos em bacias contaminadas... Como meu consultório parece um parque de diversão, ela estava solta! Até então ela não se ligava no que estava fazendo ali.
Enquanto isto, eu tentava entender o motivo da consulta. Ela vinha encaminhada pelo pediatra, que não conseguiu resolver seu caso. Ela tinha corrimento purulento, o que podia causar uma infecção mais grave no futuro. Minha tarefa era colher material da vagina e receitar antibiótico e/ou creme vaginal.
Prescrever antibiótico era mole, mas ensinar uma mãe a colocar creme vaginal com sonda numa criança é coisa de doido! Tudo é fácil e perfeitamente executável se a mãe for “cabeça” e se as crianças não gritam, antes mesmo de a gente as tocar...
Depois que compreendi o caso da menina, interrompi sua brincadeira em minha sala, quando metade das coisas já estavam no chão, e a orientei a tirar a calcinha e deitar na mesa ginecológica. Aquilo foi um banho de água fria a 38 graus de febre... Ela arregalou os olhos e começou a contrair os beicinhos, fazendo cara de choro.
Vi que ali eu encontrava uma fera e eu não ia de me debater com uma. Como a mãe era tranquila, decidi chamar “Dona Menô” pra me ajudar:
- “Guria, to cansadona... Trabalhei muito hoje... O que eu vou fazer é tirar sebinho da perereca e não vai doer, mas se quiser desistir, tudo bem! Eu não vou te agarrar, eu não vou te forçar, eu não vou brigar contigo, porque eu odeio crianças!”.
Ela escondeu um riso e vi nisto um atalho. Como a mesa ginecológica é móvel, disse pra ela que aquilo era como montanha russa. Ela sentou e deitou automaticamente, olhando desconfiada. Depois eu disse que ela tinha que colocar as perninhas nas perneiras, que nem bailarina. Ela o fez, mas cobriu a vulva com a camisola, que é estampada com smurfs. Eu disse que não era paranormal e não conseguiria ver a xereca por telepatia. Ela riu de novo, mas começou a chorar de imediato. Eu a fiz escolher: ou chorava ou ria...
Depois de algumas tentativas, onde a mãe foi um componente importante neste momento, colhi material suficiente pra citologia e ela saiu serelepe daquele lugar. Depois eu me dirigi pra minha mesa de atendimento e disfarcei um pulo de surpresa quando a menina começou a falar a partir de então.
Já que ela tinha passado pela “prova dos nove”, começou a zoar de todos à sua volta. Perguntou pra mãe se tinha medo de ser examinada. A mãe disse que não. Então a menina a convidou a deitar naquela cama. A mãe disfarçou, mas a menina logo se dirigiu à secretária, perguntando a mesma coisa. A secretária disse que não dava pra ser examinada naquela hora. Então a menina veio com esta:
_ “Pois é! Vocês dizem que o exame é moleza, mas ninguém quer deitar ali!”.
Eu fingia seriedade, mas a vontade era de deitar no chão e dar gargalhadas, mas eu não podia... Eu estava escrevendo uma receita... A menina, talvez adivinhando o que eu sentia, resolveu dar a revanche: pedia pra secretária a colocar de novo na montanha russa, porque ela adorou a coisa... Minha funcionária, sabiamente, subiu e desceu com ela naquele parque de “diversão” improvisado.
Após a receita, mandei acabar com o circo e chamei a criança de 5 anos. Ela se debruçou, apoiou um braço na mesa e sustentou seu rosto numa mão, fazendo cara de quem não estava nem aí com a hora do Brasil. Eu perguntei:
-- E aí? Deu dor?”.
Ela respondeu:
- “Claro que não!”.
Eu retruquei:
- “Então por que chorou?”.
Ela me olhou por alguns segundos e utilizou uma tática que em breve utilizará muito em sua vida – a esperteza – e respondeu”
- “Ah! Eu tava fingindo!”.
Isto aconteceu em setembro de 2011 em meu consultório no Rio de Janeiro, Brasil.
Leila Marinho Lage
CRM 52-38501-5
Clube da Dona Menô
http://www.clubedadonameno.com