Homo sapiens arcaico

Eu tava lendo uma crônica da minha querida Martha Medeiros que falava sobre os estranhos. Falava de toda aquela coisa que os pais sempre tiveram de nos proibir de falar com os 'estranhos'. A Martha, com sua genialidade inerente, desfiou todo o assunto com sua simplicidade peculiar.

Eu gostei muito da crônica, mas não foi daquelas que me pararam o cérebro, sabe? Não fiquei horas pensando nela, mas ela me cutucou em algum lugar. Tive vontade de escrever algo sobre ela, mas esqueci isso logo, com uma grade de horários apertados na faculdade, não posso me dar o luxo de ficar escrevendo quando bem entendo. Confesso que pensei em mostrar pra algumas pessoas, como sempre quero fazer com as crônicas dela, mas deixei passar.

O meu dia transcorreu normal, eu já até tinha esquecido da crônica dos estranhos. Foi aí que o destino me deu um peteleco na orelha esquerda. Parei no ponto de ônibus, obviamente, para esperar minha bela carruagem dirigida por um cara que eu não conheço, ou seja, um estranho. Estava eu quietinha na minha, quando uma senhora parou do meu lado e reclamou do motorista que não parou pra ela subir. Concordei com tudo o que ela dizia, claro, sou educada e tinha a mesma opinião que ela. Acabei descobrindo que aquela 'estranha' ia visitar a netinha, a pedido da filha, lá na Barra da Tijuca( estávamos em Botafogo). A simpática velhinha foi embora e despediu-se de mim. Nunca mais seria a mesma, eu tinha ficado com um pouco dela em mim e vice-versa. Pode ser que ela nem se lembre de mim, como eu também não me lembrarei dela por muito tempo.

A crônica dos estranhos me surgiu na cabeça como o resultado de uma batida de cabeça na parede: latejante. Pensei que todo mundo que passava ali tinha uma vida, tinha uma família, amigos, emprego, chefes chatos, vida corrida, sapato apertado, sogra que vem visitar sem avisar num dia de domingo. Todos são estranhos dos outros.

Já tive muitas conversas marcantes com estranhos. Não estou dizendo que devemos sair dando confiança pra qualquer estranho, mas também não dá pra ser indiferente ao seu semelhante. Isso é falta de amor ao próximo e a si mesmo. O estranho só é estranho quando o vemos pessoalmente, virtualmente ninguém é estranho. Fazemos amizades pelo mundo todo, sem nos preocuparmos com o fato de nem vermos a parte branca do olho do cara.

Precisamos é rever esse conceito arcaico de não falar com estranhos, isso não pode existir. Não é pra sair batendo papo com tudo que é tipo de gente, claro. Mas também não é pra ser indiferente ao outro. Nesse mesmo ponto onde conheci a senhorinha, um senhor veio puxar assunto. A crônica ficou mais viva ainda na minha mente de estudante. Achei fascinante como as pessoas quase imploram pra deixarem de ser estranhos e terem um mínimo de atenção. Será que todos passam por isso?

É válido pensar que aquele que passa do seu lado pode ser o amor da sua vida, mas você não vai dar atenção. Um futuro grande amigo pode estar sentado ao seu lado, mas você não vai selar a amizade agora, está ocupado no seu mundo de não falar com estranhos. Está com o seu 'modo ignorar meio mundo' no on, baby. Vamos começar a virar essa chavinha aí e ser mais simpático com o mundo. Vamos deixar as formalidades de lado e sorrir mais pra quem está do seu lado todo dia e praqueles que você vê todo dia e não sabe.

Thamires Heck
Enviado por Thamires Heck em 16/03/2012
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