ESTADO DE GUERRA

Olhando para o passado podemos compreender um pouco do presente que se nos apresenta... Ou pelo menos tentar. Ocorrências sutis vêm se manifestando na História nos últimos anos, prenúncios da proximidade de um grande acontecimento, proeminência de um novo ciclo, de mudanças, de uma importante revolução na História da Humanidade.

O Jusnaturalismo, corrente filosófica dominante na Europa durante os Séculos XVII e XVIII, tentava explicar o surgimento do Estado. Sucede que naquele período não havia nenhuma convenção estabelecida, cada indivíduo usufruía de tudo aquilo que quisesse ter. Não havia entre os homens a noção de bem e de mal ou de certo e de errado, o que, para Thomas Hobbes, caracterizava um “estado de guerra”. O fato é que em determinado momento a humanidade sentiu necessidade de se proteger e, para a segurança e proteção dos bens e da vida de cada um, estabeleceram um pacto entre si e este pacto deu origem ao Estado. Desta forma, o homem trocou a liberdade natural pela civil e a independência pela segurança. Foi no período Jusnaturalista que surgiu o pensamento liberal, em decorrência, os primeiros passos para a representação popular como forma de exercício do poder político e os primeiros esboços para o exercício da Democracia.

A Democracia, na Grécia Antiga, tinha um conceito negativo, significava tirania da maioria sobre a minoria, onde a maioria governa no seu próprio interesse, este conceito a colocava em situação completamente oposta ao pensamento liberal. Somente na transição do Século XIX para o Século XX é que a Democracia adquiriu o conceito positivo e atual: “governo da maioria que respeita os direitos das minorias” e hoje o liberalismo e a democracia, antes antagônicos, andam de mãos dadas e não são um sem o outro.

Ora, ante esta interpelação histórica e os acontecimentos deste início de Século, pode-se deduzir que se o estabelecimento do Estado deu-se por falta de “convenções estabelecidas” que demandou o “estado de guerra” , hoje, o que se nos apresenta, é a desestabilização dos Estados por excesso de convenções e a humanidade segue ainda em “estado de guerra” mais infame.

Àquela época, o “estado de guerra” era até compreensível e nos dias atuais? A esta altura da História o liberalismo anda de pernas bambas e a tão citada Democracia reassumiu a conotação negativa que tinha na Grécia Antiga, se não teoricamente, mas na prática sim. A Democracia está sendo usurpada pelos pseudos “donos do mundo”, voltou a ser tirania, ou será engano? Por acaso não governam os governos em seu próprio interesse? É o que se observa em todo o planeta e, podemos perceber mais claramente a amplitude desse estado avesso no desdobramento da crise no Continente Europeu, por exemplo.

É trágica a atual conjuntura econômica, política e social da Europa... Perfeitamente compreensível a revolta do povo grego ante as novas medidas de austeridade impostas pela “Troika”. É chocante, para além de irônico, o estado de caos instalado na Grécia hodierna. Justamente a Grécia berço da filosofia ocidental, da cultura europeia, da democracia entre tantas outras evidências que marcaram a História da Humanidade. É deveras preocupante a trajetória desta crise que se propaga indistintamente. É espantoso que, mesmo diante de tanto desenvolvimento, conhecimento, tecnologia e know how a Europa tenha chegado a este estado de coisas, ou melhor “estado de guerra”.

Como pagar com sacrifícios de fome, miséria, humilhação e desequilíbrio psicológico as dívidas contraídas pelos desmandos capitais?

Como assistir inerte ao desmoronamento do Estado de Direito, do Estado de Bem Estar Social adquiridos?

Como não se sensibilizar com tal situação? Os respingos não pouparão nação alguma... Como não pensar no que resultará tamanha desordem?

Como aceitar que, em pleno Século XXI, países desenvolvidos, detentores de conhecimento, poder e tecnologias venham à bancarrota por conta de desmandos políticos e capitais?

Como entender que pessoas inteligentes, cultas e capazes puderam ser ofuscadas até este ponto?

Como a sociedade, os movimentos sociais, os parlamentares não perceberam que o Estado Social e de Direito se desestabilizava?

Para além dos Estados, os lares, as famílias, as vidas, os seres humanos mais suscetíveis, estão desestabilizados... Os “poderosos” continuam firmes, fortes. A hegemonia capitalista prevalece sempre, o egoísmo, o desejo descomedido de lucro e domínio não tem limites. Difícil compreender.

O mais intrigante é que a História parece apenas se repetir, nada muda... A “Troika” tenta resolver a crise europeia com medidas de austeridade, como o FMI fez no Brasil. Neste caso a sociedade brasileira estava doutrinada à obediência cega, àquela época, o povo “engoliu” todo o descomedimento do FMI e do Governo. Entretanto, na atual conjuntura, com toda certeza não aceitaria, se revoltaria e o “estado de guerra” se instalaria. Àquela época a classe menos favorecida estava acostumada a não ter nada, sequer protestar podia, um arrocho a mais aqui ou ali não tinha tanta importância, tudo que viesse seria “lucro”, dada a calamidade em que o país se encontrava.

Uma coisa era a sociedade brasileira, acostumada a pouco ou nada ter e outra coisa é a sociedade europeia acostumada a ter quase tudo ou tudo (consciência de cidadania é e sempre será o valor soberano de um povo). Como aceitar passivamente perder todos os direitos adquiridos em prol do famigerado sistema atual?

É mesmo um "*Schadenfreude", uma perversidade. Como a “Troika” pode conceber que a sociedade europeia irá engolir tudo que quiserem enfiar “goela abaixo”, que basta ditar preceitos e convenções e o povo, docilmente, acatará como cordeirinhos, como bois a caminho do matadouro?... É impressionante o disparate!

Na verdade o Continente Europeu sempre foi berço de grandes e significativas insurreições que deram ao mundo novos rumos e o grande exemplo disto foi a Revolução Francesa que marcou o início da Idade Contemporânea... Não entendo bem de Política, Economia, Sociologia ou demais Ciências, porém lançando um olhar à História, creio que algo grande, tão ou mais grandioso quanto a Revolução Francesa está para acontecer e que a Idade Contemporânea, assim como o atual sistema (Capital?) agoniza, já o “estado de guerra” tenho dúvidas... Talvez um dia, quando o homem deixar de ser “lobo do próprio homem” haverá um “estado de paz”, a bem da razão não creio nisto, mas, quem sabe? São tantas as coisas inconcebíveis e inaceitáveis que andam a acontecer...

Maceió, 16/2/2012

* Schadenfreude (alemão) - sentimento de alegria ou prazer pelo sofrimento ou infelicidade dos outros

Ceiça Lima
Enviado por Ceiça Lima em 06/04/2012
Reeditado em 17/08/2022
Código do texto: T3596923
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