Meu pai, meu herói

Das muitas lembranças felizes de minha infância, trago na lembrança os aventuras vividas ao lado de meu velho pai quando em sua companhia desbravava as matas da região em uma aventura sem fim na busca do tesouro, a pedra preciosa que nas mãos do lapidador transformar-se-ia em jóia rara e depois de comercializada colocaria comida em casa, roupas, material escolar...

Para meu pai era apenas a rotina. A jornada nem tanto aventuresca, apenas um ofício. A pedra preciosa era apenas bambus, verdes e maduros. A lapidação era cortar, carregar, rachar, descascar, tirar os nós, bater e por fim tecer. Em suas mãos habilidosas, a mais de quarenta anos, o bambu, matéria prima, viravam cestos, balaios, redes, forros para teto de casas, forro para carros de bois, cestinhas para recém nascidos e uma infinidade de outros utensílios, naquela época, muito valorizado.

A cidade vivia a explosão empresarial, e cada dia mais e mais indústrias de calçados abriam-se em pequenas residências, galpões improvisados ou mesmo quartos de despejos e cômodos improvisados em fundos de quintais. Para juntar o material que sobrava da produção os novos empresários recorriam aos balaios que no final da tarde eram colocados nas calçadas, para a coleta dos caminhões da administração pública.

Então meu pai debruçava-se sobre um grande toco de madeira e passava os dias a bater, cascar e preparar tiras de bambu para depois tecer e fabricar de forma artesanal os balaios que iriam atender as necessidades do empresariado local. Eu, em minha meninice via nele o meu herói. O homem mais íntegro, honesto, belo, forte e inteligente do mundo. Desejava aprender o ofício dele, como ele mesmo aprendera de seu pai com pouco mais de dez anos de idade. Cheguei mesmo a conhecer a técnica e fabricar uma pequena réplica, mas nunca consegui dominar a arte.

Lá se vão dezesseis anos que o vi pela última vez. Perna e braço direito atrofiados por uma sequencia impiedosa de seis derrames, os lábios tortos que, mesmo apesar da deficiência, nunca me negaram um sorriso amigo.

A cidade evoluiu com o passar dos anos. As indústrias se tornaram multinacionais, os balaios artesanais foram banidos de suas funções, não sei se substituídos por apetrechos mais modernos ou pela falta de um artesão que os fabrique.

O bambuzal localizado às margens do Ribeirão fartura, bem próximo a “Rua da Várzea” hoje já não existe mais, deu lugar a belos edifícios. Outros mais, onde meu pai colhia sua matéria prima também sucumbiram às exigências do progresso.

Todas as manhãs, ao ir para o trabalho, no entanto, eu me lembro com certa nostalgia de meu velho. No caminho que percorro, há ainda o último elo entre essa melancólica lembrança de minha infância e o agitado tempo de agora. O último bambual da cidade, conservado pelo Pisquila entre seu restaurante e as águas, hoje poluídas, do Ribeirão Fartura.

Torço por uma vida longa ao dono dessa área, pois sei que caso ele se vá, a última lembrança ocular do herói de minha infância partirá com ele. Enquanto isso, todas as manhãs paro por alguns minutos e me pego a recordar os bons momentos de minha infância. Nesse ínterim quase posso visualizar “Chico Moreira”, meu pai, de cócoras a escolher a melhor peça para realizar o seu trabalho, às vezes me pego a sorrir nesse instante, ou com os olhos a marejar, então sigo comigo, com um nó na garganta e uma saudade que o tempo jamais será capaz de apagar.

Luciano de Assis
Enviado por Luciano de Assis em 17/04/2012
Reeditado em 17/04/2012
Código do texto: T3617976
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