Músicas e lembranças

  Músicas e lembranças sempre andam juntas. Há poucos minutos mesmo aconteceu: eu escutava uma música antiga que me lembrou a adolescência. Na verdade, lembrei de meu irmão, Sebastião Ronaldo, ao qual chamávamos carinhosamente de Nenem. Ele gostava muito dessa canção. Acho que muita gente gostava, e ainda gosta, pois a melodia é muito bonita. Refiro-me à Menina, de Paulinho Nogueira, que fazia parte da trilha sonora da novela Irmãos Coragem em sua primeira versão. Eu estava ouvindo a regravação na voz de Netinho da Bahia, porém, a beleza da composição não se perdeu. Vejam:
 
Menina
Que um dia conheci criança
Me aparece assim de repente
Linda, virou mulher
Menina
Por que fui te encontrar agora
Te carreguei no colo menina
Cantei pra ti dormir
Lembro a menina feia
Tão acanhada de pé no chão
Hoje maliciosa
Guarda segredos em seu coração
Menina
Que tantas vezes fiz chorar
Achando graça quando ela dizia
Quando eu crescer
Vou casar com você
Menina
Como pude te amar agora
Te carreguei no colo menina
Cantei pra ti dormir...
 
  Foi uma lembrança gostosa, amiga. Meu irmão era uma cara muito especial. Não porque era meu irmão, mas era de fato um cara legal, generoso, alegre, divertido e muito emotivo. Ele tinha o dobro da minha idade, mas, às vezes, parecia que éramos dois adolescentes. Ele era meu amigo, a gente se curtia, ele participava dos meus sonhos, ele compartilhava das minhas histórias, tinha orgulho por eu ser a caçula e boa aluna. Às vezes, claro, ralhava comigo, me repreendia se eu fizesse algo errado, ameaçava contar para a mamãe. Eu ficava possessa com ele, mas depois compreendia que era para o meu bem, afinal, ele conhecia o mundo melhor do que eu e só queria me proteger.
  Lembro-me de um dia, em que ele e sua noiva Carmen Lúcia me flagraram namorando no Jardim de Baixo, uma praça linda e enorme que temos aqui na cidade. Mamãe já havia recomendado que não queria que eu namorasse, muito menos naquela praça. Quando os vi aproximando, tremi, gelei e pensei: “Agora ele me esfola!” Que nada! Eles passaram por nós, cumprimentaram e seguiram o caminho. “Ufa! Me livrei de um escândalo!”, mas eu sabia que isso não ficaria assim. Mais tarde, meu irmão me chamou para conversar e me explicou mil coisas que rolavam entre namorados. Sua preocupação era por eu ainda ser uma garota ingênua, presa fácil para um cara mal intencionado. Implorei para que ele não contasse nada em casa, ele prometeu que não contaria se eu prometesse que não iria mais namorar naquele lugar, cheio de cantinhos escurinhos, onde não era adequado para meninas de família. Dei minha palavra: “Tudo bem, eu prometo.” Gente, nunca me esqueci disso.
  Em 1988, meu querido irmão faleceu. Um câncer de fígado o matou. Mas ele ainda está aqui, vivo, na minha memória e no meu coração. Ah, como eu te amava, meu irmão! E como ainda amo!
  Um dia a gente vai se encontrar, com certeza. E eu vou te agradecer por ter sido mais que irmão, por ter sido meu amigo; por ter me compreendido em minhas aflições e dúvidas de adolescente; por ter me orientado, dado conselhos; por ter sido enérgico quando foi necessário; por ter sido meu confidente; por ter sido meu avalista (risos) - minha primeira compra no crediário quando tive meu primeiro emprego, foi você quem avalizou; por ter me apoiado quando me casei, enfim, por tudo o que você foi e fez por mim.
  De todos os irmãos, você foi o mais presente em minha vida quando meus filhos eram pequenos. Toda semana você me visitava, nem que fosse para tomar um cafezinho e logo ir embora. Aliás, como você gostava do meu café! Depois que você se foi de verdade, quantas vezes ouvi sua voz, como se estivesse chegando à minha casa! Foi difícil me acostumar com sua ausência, mas na vida a gente acaba se acostumando com tudo. Até porque, tenho certeza de que você está bem, já que foi um cara de um enorme coração.
  O que uma música é capaz de provocar na gente! Hoje fez me lembrar de meu querido irmão. Em outros momentos, com certeza, outras músicas trarão a lembrança de outras pessoas que também foram especiais em minha vida e que, infelizmente, não voltarão. Mas ainda bem que existem as lembranças, boas lembranças. Quando as lembranças são boas significa que a vida valeu e sempre vale à pena.
 
 
 
 
 
 
 
Jorgenete Pereira Coelho
Enviado por Jorgenete Pereira Coelho em 12/11/2012
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