COMENTANDO O JULGAMENTO DO MENSALÃO

Desde o início do julgamento da Ação 470, pelo STF - Supremo Tribunal Federal, ative-me ao comportamento de cada ministro, a começar pelo Presidente – Carlos Ayres Brito, Procurador Geral da República – Roberto Gurgel, Relator – Joaquim Barbosa e pelo Revisor – Ricardo Lewandowski, deixando de fora, por questão meramente lógica, o ex-ministro Cesar Peluso, que votou em alguns casos, mas aposentou-se logo início dos trabalhos, apondo suas argumentações e votos, nos anais do STF.

Depois de ter lido as ‘alegações finais’ em plenário, o Procurador Geral da República – Roberto Gurgel, que finalizou o trabalho iniciado por Fontelles e Antonio Fernando de Souza, pediu a condenação de 38 dos 40 réus deste que, como bem disse o ex-presidente Ayres Brito – “é o processo mais complexo da história brasileira, compreendendo 40 réus, no cometimento de centenas de crimes, ouvidas mais de 600 testemunhas” e, como não poderia deixar de ser, envolvendo as maiores ‘bancas’ de advogados do país. E por falar na defesa, os advogados dos réus desfilaram pela Tribuna do STF e distribuíram ‘memoriais’ aos ministros durante todo o julgamento, não se podendo dizer que houve qualquer tipo de cerceamento da sua atuação. A missão quase impossível de defender o indefensável levou a defesa a contestar apenas pequenos detalhes que achou aqui e ali, no processo, cujas opiniões foram uma a uma rebatidas pelo ministro Joaquim Barbosa por inúmeras vezes.

A adoção do ‘fatiamento do julgamento’ proposto por Joaquim Barbosa foi super inteligente e lógico. Ora... Como julgar 38 acusados de formarem uma ‘quadrilha’ para delinquir contra os interesses nacionais, quando entre os réus se encontravam alguns deputados federais e vários dos seus assessores, o ex-presidente do PT – José Genoíno, o ex-deputado cassado e ex-ministro da Casa Civil – José Dirceu, o ex-tesoureiro do PT – Delúbio Soares (formando o núcleo político), os banqueiros do Banco Rural, principalmente sua presidente Kátia Rabello mais dois diretores (núcleo financeiro), o Banco do Brasil, através do seu diretor Pisolato, e o núcleo publicitário – capitaneado por Marcos Valério e seus sócios da SMP&B, DNA e Grafite.

Os principais crimes tipificados na Ação 470 foram: Formação de Quadrilha, Peculato, Corrupção Ativa, Corrupção Passiva, Gestão Fraudulenta de Instituição Financeira, Lavagem de Dinheiro e Evasão de Divisas. Tais crimes são conhecidos como ‘crimes do colarinho branco’.

O presidente Ayres Brito teve atuação serena e própria dos homens íntegros. Às vezes parcimonioso, ora enérgico, jamais subiu o tom da voz para conduzir o julgamento, mesmo nos momentos mais acalorados, quando o Revisor reclamava vociferando e o Relator se fazia ríspido, acusando-o de ‘tentar obstacular o andamento do julgamento’. O presidente mostrou-se isento e íntegro, de princípio ao fim do seu mandato, já que presidiu a última sessão no dia 14 de novembro, tendo em vista completar 70 anos no dia 18 de novembro de 2012, fato que o aposentou compulsoriamente, de acordo com a Constituição Federal de 1988.

Como na aposentadoria de Cesar Peluso restaram apenas dez juízes, o colegiado ressentiu-se do voto de desempate e isso favoreceu os réus, uma vez que quando se processava o empate, o presidente optava pela absolvição e mais à frente, na dosimetria, pela pena mais branda, sempre da lavra do ministro Revisor Lewandowiski.

Um fato que nos chamou a atenção neste julgamento: os ministros que votaram pela absolvição dos réus José Dirceu, José Genoíno e outros, não participaram da dosimetria das penas a eles imputadas. E esta prática é sábia, evitando-se que grupos previamente acertados manipulem os julgamentos. O Regimento do STF é sábio e, como não poderia deixar de ser, justo.

O ministro Relator – Joaquim Barbosa escreve uma página importante na história pátria. Mesmo sofrendo de dores que o faziam trocar de posicionamento, ora sentado, ora de pé, por horas e horas, sustentou suas teses, explicando minuciosamente os fatos delituosos em julgamento, bem como a participação de cada réu naquela parte da Ação 470. Sua atuação merece um comentário exclusivo que farei em outra oportunidade.

O ministro Revisor, segundo nossa avaliação, desde o início do julgamento, mostrou-se preocupado em desqualificar as provas contidas nos autos para, deliberadamente, evitar a condenação de Dirceu e Genoíno. Para Delúbio e alguns outros, não agiu da mesma maneira, apenas procurando amenizar-lhes as penas.

Acusado por diversas vezes pelo Relator de ‘estar obstaculando o andamento do processo’, o Revisor Lewandowiski, levava horas repetindo enfadonhos assentamentos e depoimentos de testemunhas que opinavam sobre o comportamento social dos réus. Neste caso, o Relator Barbosa está eivado de razões. Em nenhum momento Barbosa levou em consideração os maus antecedentes dos réus, sempre pontuando como nulas as restrições de conduta social deste ou daquele, alguns até condenados em instância inferior, mas cuja sentença não havia sido transitada em julgado. O Revisor, portanto, não tinha que estar lendo longos depoimentos dos amigos dos réus e a traçar elogios às suas condutas, a não ser ‘en passant’, mas não foi isso que assistimos. O Revisor levava boa parte da sessão a tecer considerações favoráveis à conduta dos réus, cujo comportamento social não estava em julgamento, uma vez que nada havia que os desabonasse. Na sessão do dia 12 o Revisor levou quase uma hora lendo artigo de um jornal paulista, cujo articulista criticava a severidade do STF no julgamento. Algo desnecessário e meramente procrastinador do andamento da audiência, muito bem descrita pelo Relator em sua frontal acusação dois dias depois.

Após o voto do Revisor, ‘por inversão de antiguidade’, isto é, por ser o membro mais recente a participar do STF, como manda o Regimento, votava a ministra Rosa Weber, na maioria das vezes acompanhando o ministro Revisor, data vênia do Relator. Votou pela absolvição de Dirceu, Genoíno e outros.

O voto seguinte era de Luiz Fux, que mostrou-se inflexível contra os crimes praticados contra o erário, tendo votado por todas as condenações que prosperaram pela maioria de votos da Corte.

Depois votava Carmen Lúcia, com idêntico comportamento da sua colega Rosa.

Dias Tofoli, que não deveria participar do julgamento por ser muito ligado a Dirceu, não abriu mão da sua prerrogativa e passou o tempo todo a auxiliar o Revisor Lewandowiski. Seu papel foi um dos mais claros, desde o início do ‘Pregão’ da 470: seu papel era salvar a pele dos ‘companheiros’.

O ministro Gilmar Mendes foi coerente o tempo todo e acompanhou o Relator em quase todas as condenações, bem como na dosimetria das penas.

O ministro Marco Aurélio em alguns casos acompanhou o Relator e em outros, o Revisor. Também foi severo na dosimetria.

O decano da Corte, ministro Celso de Mello, teve uma atuação soberba, esclarecendo quando necessário os pontos controversos, bem como chamando a atenção do colegiado para as súmulas, acórdãos e a jurisprudência do STF e do Superior Tribunal de Justiça, bem como para as Convenções de Palermo e outras, das quais o Brasil foi signatário. Sua atuação, portanto, foi basicamente contrária aos réus, acompanhando o ministro Relator Joaquim Barbosa em quase todos os seus votos.

Sem dúvidas, este julgamento vai para a história como o mais longo e mais esperado pela população, levando o Brasil às manchetes dos jornais mais importantes do mundo. A idéia não é apenas punir os criminosos e mandá-los para a cadeia, mas fazer deste julgamento um exemplo para que os governantes, tanto do Executivo quanto do Legislativo, pensem melhor antes de tratar o erário público como se fosse seu. Assim, certamente eles respeitarão mais a ‘rés pública ‘ – coisa pública que prometem guardar quando assumem mandatos eletivos ou se investem de cargos poderosos na intrincada máquina governamental.

O Brasil louva o trabalho hercúleo do STF, até bem pouco tempo, mal visto pelos brasileiros. O ministro Ayres Brito deixa a presidência na parte final do julgamento, com 25 réus condenados que, por força legal, serão afastados da vida pública, até mesmo aqueles que tiverem suas penas transformadas em progressão do cumprimento. Muitos destes homens do ‘colarinho branco’, no mínimo terão que dormir na cadeia por um bom tempo e não poderão se candidatar a cargos eletivos, uma vez que serão alcançados pela lei ‘Ficha Limpa’ de origem popular e em plena vigência. Salve o STF. Salve a Justiça. Salve o Brasil!

Ricardo De Benedictis
Enviado por Ricardo De Benedictis em 16/11/2012
Código do texto: T3988680
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