Crônica de uma sala de aula - IV

I

Não queria comentar não, mas ando desconfiado que o Vanderci gosta mesmo é de participar das nossas histórias e aventuras intergalácticas. Vira e mexe, surge o nosso herói tecendo umas artimanhas no objetivo de aparecer como protagonista na tela dessas crônicas.

Vou lhes contar um caso acontecido na aula da última sexta feira - dia primeiro de fevereiro - e tentar provar a minha tese.

Bem... Dava para perceber naquele dia certo ar de cansaço no rosto da Suelen. Aliás, todo mundo devia estar muito cansado também. A semana fora longa e recheada com muitos textos e leituras. Apresentáramos um trabalho sobre os poetas-músicos (Leminski, Alice Ruiz, Waly Salomão, Drummond, Bandeira etc.) em Teoria da Literatura e seminários nas disciplinas do Rogério e da Juliana.

Mas o que mais denunciava o cansaço da nossa mestra (a tal futura doutora em Linguística!) era o seu tom de voz.

E aquele seu tom de voz cansado fora se acentuando ainda mais no decorrer dessa última aula do dia e da semana na medida em que cada um de nós disparava uma (nem tão) nova pergunta ou solicitava que ela transcrevesse foneticamente outra palavra.

Então - num dado momento em que o grau de tolerância da professora havia chegado ao limite - ela nos lembrou que estava dando aulas desde as treze horas e que o pior (no nosso caso) já havia passado...

- É, gente, o pior já passou (ela se referia ao estudo da fonética consonantal). Agora temos que nos dedicar às vogais. Eu não me importo de responder a mil e uma perguntas ou transcrever o mesmo número de palavras. Mas é importante que todo mundo preste atenção nas respostas e nos exemplos que estou colocando no quadro. Estou repetindo a mesma coisa dez vezes. Se não se focarem na aula, não conseguiremos avançar na matéria!

Foi então que o Vanderci ergueu o dedo indicador e - meio sem jeito, meio sem vergonha! - solicitou que a professora transcrevesse mais uma palavra, só mais uma palavrinha para ele:

- Ô Suelen, transcreve só mais essa para mim!

Fosse eu o narrador onisciente e onipresente dos textos do Roniere, talvez fosse capaz de explicar o que a professora sentiu naquele momento.

Mas não sou nem nunca serei. Sou apenas o Luís Antônio, estudante de Letras do CEFET/MG, e por isso direi somente aquilo que consegui perceber com estes olhos que a terra há de comer.

E o que os meus olhos viram foi que os olhos da professora se fecharam silenciosos por um breve instante. E que naquele instante pareceram penetrar indefinidamente no indefinido e se aprofundar profundamente num poço sem fundo.

E o que eles diziam talvez fosse algo que nascia entre o desejo intenso de chorar e uma igualmente intensa vontade de... fuzilar alguém. Talvez um ou dois alunos apenas. Ou apenas um ou dois alunos por vez, até que a turma inteira sucumbisse.

Sei lá!

Mas no momento seguinte a Suelen se apaziguou inexplicavelmente. E ela e os olhos dela nos observaram atentos, até conseguiram se safar daquele estranho mundo de sombras e cinzas em que se viram perdidos durante aqueles poucos segundos de indecisão.

Eu diria, finalmente, que ela regressara renovada daquela experiência, e cheia da velha e boa energia que as professoras sempre carregam consigo e que nos fazem tão bem.

- Mas qual palavra, Vanderci – tornara a professora à realidade.

Ao que o Vanderci retrucou, vermelhinho da silva:

- “Fui”.

(transcrição: [‘fuy])

Em seguida, porém, ele se levantou de sua cadeira e foi saindo da sala como se aquilo nem fosse com ele, colocando um ponto final em nossa história!

II

O desfecho desse caso nos apresenta duas importantes conclusões.

A primeira delas é que todos puderam verificar perfeitamente que o Vanderci gosta mesmo de atuar como protagonista nas nossas crônicas. Aparecendo uma chance, ele não perde a vez. Desculpe-me, Vanderci, mas essa é a mais pura verdade!

E a segunda é que todos perceberam também que um contador de histórias (de novo o tal narrador onisciente e onipresente dos textos do Roniere!) gosta às vezes de misturar acontecimentos (digamos assim) não tão reais a outros bastante verídicos, exatamente como ocorreu no final dessa narrativa.

Isso, porém, já é outra história que nos levaria indubitavelmente às

aulas do professor James e ao fato de que muitas vezes não somos mesmo capazes de diferenciar muito bem o que é real daquilo a que designamos pelo nome de ficção!