Eu não sou Freud

    Minha mãe sempre me dizia: “Minha filha, tenha complacência com fulano”, ou, “Filha, você precisa ser mais tolerante com beltrano”. E, de tanto ouvir essas coisas, tornei-me uma pessoa dada a fazer concessões, a ser indulgente, complacente, clemente, paciente, tolerante e tudo o que signifique “deixe isso pra lá” ou “não crie caso”.
    Tenho uma grande amiga que me chama de “Vaselina”, exatamente por eu estar sempre relevando as coisas, justificando as atitudes das pessoas, não discutindo por qualquer motivo, desculpando, não contrariando, não fazendo intrigas, ficando bem com todo mundo.
    A questão é que, hoje, depois de tantos anos sendo a compreensiva, a boazinha, a calminha, a que é capaz de aceitar e desculpar tudo de todos, ando me sentindo meio babaca (desculpe a deselegância). Faço de tudo para conviver bem com algumas pessoas. Aguento os chiliques, as instabilidades emocionais, as frustrações, as agressões verbais ou a indiferença, e não consigo reagir, revidar, dar o troco na mesma moeda ou simplesmente esquecer que elas existem.
    Isso tudo está me cansando. Tenho pensado até que ponto vale a pena ser indulgente com pessoas que não têm indulgência com ninguém. Tenho refletido se merecem que eu seja paciente com elas se são a impaciência em forma de gente. Por que eu sou obrigada a concordar com suas atitudes reacionárias? Não, eu não sou obrigada. Se elas são radicais, se acham que são as donas da verdade, que sejam, mas que não imponham suas verdades e suas vontades a mim. Se não estão dispostas a reconsiderar certas situações, se insistem em manter a palavra, se acham que é humilhante reconhecer que não agiram de maneira justa e recusam a se retratar, que fiquem com suas convicções e posições.
    Eu não sou Freud para explicar, e acho que nem Freud explicaria: há egos que são mais que inflados, alguns subconscientes mais que confusos e alguns inconscientes traumatizados demais até para a Psicanálise. Também não sou Jesus para ficar dando a outra face o tempo todo. Minha cara já anda inchada de tanto levar bofetão. Sou uma pessoa comum, um ser humano que também tem angústias, frustrações, preocupações e nem por isso saio culpando ou agredindo as pessoas. Ninguém é responsável por meus problemas. Se não consigo resolvê-los da melhor maneira não tenho o direito de culpar ninguém. A incompetência é minha por não conseguir.
    Também há aquelas pessoas que, sem você saber o porquê, somem, desaparecem, por um longo tempo. Você fica sabendo por meio de outras que elas estão aborrecidas. “Por quê? O que foi que eu fiz? Não brigamos, não houve nada que justificasse essa atitude.” De repente, num belo dia, elas reaparecem como se nunca tivessem desaparecido. E daí? O que você faz? Pergunta o que aconteceu ou finge que está tudo normal? “É, deixa pra lá. O importante é que elas voltaram.” Mas não se anime, elas vão sumir e voltar outras vezes pelo mesmo motivo: nenhum. Será que isso é Transtorno Bipolar? Não sei o que é, mas sei que não é normal. E, com eu disse, não sou psicanalista para tentar explicar.
    Por essas e por outras, é que vou começar a mudar o trato com essas pessoas. Se eu não posso ajudá-las a serem melhores, a serem tolerantes, indulgentes, complacentes e tudo que minha mãe me ensinou, pelo menos vou exercer meu aprendizado com quem realmente mereça.
Não quero me transformar numa pessoa egoísta, mas, a partir de agora, só vou dividir meus valores e bons sentimentos com quem me dê em troca o melhor de si, e não o pior.
 
Jorgenete Pereira Coelho
Enviado por Jorgenete Pereira Coelho em 14/04/2013
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