PRIMEIRA LEMBRANÇA

PRIMEIRA LEMBRANÇA

Havia no bairro onde eu morava, uma ponte de madeira, chamada então de pinguela, que devia ser um perigo.

- Não chega perto da pinguela, Zé Antônio!

- Subir na mangueira pode?

- Pode, mas não chupa manga verde, porque senão morre! Ah, e não sobe muito alto, porque cai e quebra o braço! E depois, seu pai me mata!...

Antes disso, não me lembro de mais nada de minha infância.

Minto; lembro-me de Madrinha Divina, dizendo:

Olha, Aparecida, o Zé Antônio já consegue tirar água da talha sozinho!

Naquela época, ela, vovó Rosa, já tinha as pernas arqueadas, e os cabelos totalmente brancos, penteados com aquele tradicional coque que usaria até o final de sua vida. Viúva, morava naquela "casa de fábrica", como costumava-se dizer, a última na rua hoje denominada Sindicato Têxtil, cujo quintal ia até o córrego Feijão Cru, juntamente com as filhas ainda solteiras Madrinha Divina e Madrinha Diola. Dizem que o Padrinho Jorge ainda morava com ela nesta época, mas, devido ao fato do mesmo ser homem, solteiro e boêmio, não me lembro dele lá.

Julgo interessante dizer que havia um fato curioso com relação aos nomes dos meus tios e tias paternos: todos os homens tinham um nome seguido de Joaquim e as mulheres um nome antecedido de Conceição (coisa de português, meu bisavô), com o detalhe de todos terem apelidos (coisa de índio, minha bisavó). Assim, meus tios se chamavam Antônio Joaquim (o Sangrião), José Joaquim (o Zeca), Sebastião Joaquim (o Titião), Jorge Joaquim (o Dandango) Romualdo Joaquim (meu pai, o Sô Nêgo), Conceição das Graças (Titita), Conceição Divina (Dindinha), Conceição Maria (Quisica), Conceição Aparecida (Cocôte), Conceição do Carmo (Diola) Conceição Romualda (gêmea com meu pai, a Sá Nêga).

Lembro-me perfeitamente de Vovó Rosa dizendo assim:

- Zecantõe (assim ela me chamaria até o final da vida), cê já chegou? Já sei, veio comer angu, não é? Eu sei; porque a Aparecida não gosta de mexer angu, ou melhor, ela não tem tempo, coitada.

Mas, também, com três crianças pequenas. O Sô Nêgo (apelido familiar do meu pai) não tem juízo, mesmo!

- Diola, toma conta, não deixa o Zé Totõe (assim esta me chamaria também até o final de sua vida) descer para o Feijão Cru! (Gritou a Madrinha Divina).

Eu tinha mais ou menos cinco anos (1957), e estava ali, com os pés descalços sobre a terra molhada, livre como um pássaro, integrando o universo, sem nenhuma responsabilidade!

E me sentindo superprotegido por aquela família maravilhosa, que mais tarde eu descobriria ser composta por seres dentre os que mais me amaram nesta vida.

E a todas as pessoas que muito me amaram, como estes, e que muito me amam, dando-me suporte para o equilíbrio emocional que procuro como meta de vida, humildemente, do fundo de minha alma, agradeço.

Leopoldina, MG.

Balzac José Antônio Gama de Souza
Enviado por Balzac José Antônio Gama de Souza em 25/03/2007
Código do texto: T425191