Quem sou eu?
 
          Para me conhecer melhor percebi que precisava rever as minhas origens e entender quais pessoas poderiam ter me influenciado durante toda minha vida. Eu sou a combinação de vários antepassados, a influência dos amigos e de pessoas sem nenhum parentesco comigo. Gostaria de ter herdado a sabedoria, beleza, bondade, rapidez, elegância, habilidade, coragem, determinação, humor, entre outras características espalhadas em todos os membros de minha família, mas, nenhum deles possui este­­­ conjunto com exclusividade, é um pouco de cada elemento. Alguns, mais sortudos, ganham uma pitada maior de um tempero mais marcante. Sempre há o risco de sairmos com alguns defeitos ou, por uma praga dos deuses, com todos eles, ou seja, com a feiura da égua e a ruindade do cavalo. Vou me ater às qualidades, defeitos e características mais importantes que ouvi falar ou presenciei. Preciso justificar e entender o meu jeito de ser, muitas vezes admirado ou contestado por minha família e amigos. Não quero me eximir de culpas, mas existem certas atitudes que são da natureza humana, e, dificilmente mudam com o tempo. Quantas vezes alguém me disse que sou igual a um parente meu, ou presenciei membros de minha família serem comparados a outros. E como essa nossa natureza nos influencia, repetimos gestos e atitudes de nossos antepassados que muita das vezes nem chegamos a conhecer. Se quiserem entender melhor o que estou falando leiam: “A Rã e o Escorpião,” uma fábula de Esopo, muito antiga. Nesta fábula o escorpião enfia seu ferrão nas costas da rã, no momento em que ele estava sobre suas costas no meio de um lago. O que, inexoravelmente, foi o fim dos dois!
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Mãe Sinhá

          Ainda que eu não saiba muita coisa, começarei pelos meus trisavôs maternos José Justino da Silva (padrinho Zeca) e Maria Querubina de Andrade (Mãe Sinhá). Contam vários membros da família que a mãe Sinhá teve uma doença nas mãos, e que todos acharam na época que era contagiosa. Eu pude constatar essa assimetria em suas mãos, através de uma foto muito antiga, um das poucas lembranças que sobraram dela. Devido às suspeitas que causou este mal ela ficou isolada em casa por muito tempo, para evitar qualquer tipo de contágio. E como se não bastasse, foi encaminhada para o Leprosário em Bambuí, onde depois de algum tempo ficou constatado que sua doença não era Lepra. Ela foi levada para o Leprosário em um caminhãozinho muito velho, no qual havia outros leprosos com o mesmo destino. A polícia militar estava presente para garantir a ida dos doentes, querendo eles ou não. Realmente deve ter sido uma cena horripilante, a partida neste caminhão com várias pessoas desconhecidas e doentes, além da incerteza de seu destino. Minha bisavó Melvira e suas irmãs sofreram e choraram muito, até que sua mãe voltou uns três meses depois de sua partida. Um de seus filhos construiu um quarto separado da casa para ela, onde ficou isolada até a morte. A doença de minha trisavó, presume minha mãe, teria sido escorbuto (falta de vitamina “C”) ou artrose. Segundo minha trisavó Sinhá aquela anomalia nas mãos era constipação, devido torrar farinha em fornalhas quentíssimas e depois lidar com água fria. Severos trabalhos domésticos daquela época.
            Naquele tempo as pessoas tinham muito medo dessa doença ("lepra") e o preconceito era enorme, posso imaginar como deve ter sofrido minha trisavó Sinhá. Que Deus a tenha!
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Melvira e Primo seu neto

          Melvira Querubina da Silva (Dindinha) minha bisavó e matriarca. Defendia sua prole com unhas e dentes. Era a parteira oficial da família e de muito outros Pimentenses. Eu nasci em suas mãos e me tornei uma de suas crias, éramos seus afilhados, por isso nós a chamávamos de Dindinha. Foram às primeiras mãos que me tocaram e me acariciaram neste mundo. Lembro-me até hoje dela sentada no sofá com um terço em suas mãos, um vestido muito limpo e bem passado e seu coque impecável. Cochilava sem recostar a cabeça para não atrapalhar o penteado executado com tanto zelo. Sempre levava a mão ao cabelo para conferir o que já estava impecável. Lembro-me de um papinho, um tipo de íngua, que ela tinha no braço direito, e seus bisnetos gostavam de ficar apertando e perguntado o que era aquilo, ao que ela respondia ser consequência de muito trabalho artesanal, principalmente, do tear e do crochê. Quase todos da família ganharam uma colcha de presente que ela mesma tecera com a ajuda de suas filhas; normalmente era o primeiro regalo do nascituro primogênito. Cobri-me com esta colcha de tear por muitos anos. Antigamente, as coisas duravam muito tempo, não eram descartáveis como as de hoje. Acreditem ou não, tenho esta colcha guardada comigo até hoje, e quando o tempo esfria, eu a uso à noite e sinto a sua presença me protegendo.
          Quando a visitávamos em sua casa, ela sempre nos servia café e uma quitanda, e quase sempre o motivo da visita era o de buscar laranja em seu quintal. Eu, particularmente, adorava seus elogios, e apesar de ela enxergar muito pouco, conhecia-me pelo tamanho de minhas mãos, dizia ela. Sempre me tratou com muito carinho e ficava feliz quando eu chegava para visitá-la. Como ela já tinha idade muito avançada, um de seus netos sempre dormia em sua companhia, recordo-me de ter dormido em sua casa algumas poucas vezes. Já mais idosa, ficou quase que completamente cega e ainda assim fazia crochê contando os pontinhos e usando o tato.  De minha doce avozinha gostaria de ter herdado sua fé e o poder de união que exercia sobre a família. Mas, são tantos personagens, que necessito passar a outros.

                   Contribuição de Primo Pessoa Pinto. (Pimenta julho de 1982)
               O meu tio Primo, o qual tem o mesmo nome de meu bisavô Primo, cedeu-me uma entrevista que fez com minha bisavó Melvira. Seguem as palavras dela:
               -Nasci em Pimenta, no dia 06 de agosto de 1895, filha de José Justino da Silva e Maria Querubina de Andrade. Sou a segunda filha e tenho mais três irmãs vivas e um irmão falecido. Maria Onorina, Maria Conceição, Horácio e Afonsina.
               Toda a minha vida morei aqui em Pimenta, a não ser um tempo em que mudei para Formiga depois de casada.
               Quando vou falar um pouco de mim, sempre lembro em primeiro lugar de minha mãe, que era uma pessoa austera. Uma pessoa da qual tenho na memória belas recordações. Ela sofreu muito em sua velhice, pois, tivemos que construir um pequeno quarto onde ela morou até morrer. Ela tinha uma doença que temíamos que fosse contagiosa.
               Fui criada na roça juntamente com meus irmãos, onde levávamos uma vida um pouco dura.  Éramos bastante pobres. Desde pequena comecei a trabalhar ajudando muito em casa, principalmente nas tarefas domésticas. Tínhamos o essencial para sobrevivência, sem nenhum luxo. Levávamos uma vida honesta e cheia de muito trabalho.
               Sabe, minha infância é toda diferente dos dias de hoje. Aos domingos eu saía da roça e vinha à missa com minha tia. Como era bom colocar aquele vestido de domingo, ver as pessoas na igreja, aquilo me enchia de felicidade. Na volta para casa eu vinha dançando pela estrada, feito uma boba, coisas simples como essas me deixavam muito feliz.
               Sempre fui doida com música, certa vez vim à missa com minha avó. Fiquei sabendo que na rua da Lagoa tinha um homem que havia comprado um rádio. Assim que terminou a missa fui correndo para ver a novidade e achei aquilo uma maravilha. Quando começou a tocar música me deixei envolver por ela, quando percebi estava batendo palmas e marcando o compasso da música. Este acontecimento foi o bastante para ganhar uns puxões de orelha. E quando chegamos em casa minha avó foi logo dizendo: _Sinhá, a Melvira estava no maior assanhamento lá em Pimenta. Meus pais eram bastante severos, várias vezes tive que jogar no córrego as caixinhas de pó de arroz que ganhava dos rapazes. Isso me dava um aperto no coração!
               Um dia quando fui buscar água na bica percebi que estava sendo observado por um senhor de cabelos grisalhos (Primo). No momento me senti envergonhada, depois fazia de tudo para ir na bica buscar água. Sempre que ele me via, ficava oferecendo as coisas ou me chamava para tomar leite e comer biscoitos. Depois mandou me perguntar se eu queria namorar com ele. Não respondi no momento, pois, necessitava do consentimento de meus pais. Então ele mandou uma preta velha fazer o pedido. Meu pai concordou, mas, minha mãe de imediato foi contra. Disse que eu era muito nova, não tinha nenhuma experiência e que eu deveria esperar um pouco mais. Depois de muita insistência ela concordou e após três meses de namoro nós casamos.
               O Primo pediu que o casamento fosse à noite, porque ele já estava com cabelos brancos e era mais velho do que eu. Se o casamento fosse de dia iria se sentir envergonhado. O casamento foi no dia 05 de dezembro de 1912, em uma noite enluarada. Eu com 16 anos e ele com 44 anos. Casei sem saber nada, ninguém me explicou coisa alguma, fui quebrando cabeça ate nascer a Anunciata.
               Meu casamento posso dizer que só trouxe felicidade, encontrei um homem muito bom. Naquele tempo era difícil de encontra um homem honesto, ajuizado, bondoso, trabalhador e que não deixava faltar nada. Mas eu também fiz a minha parte, honrei o casamento por 47 anos, ate que ele faleceu.
               O que mais me admirava no Primo era a sua bondade, quando eu ficava doente ele ficava ao meu lado o tempo todo, me tratava como uma criança. Nunca brigamos, aliás, não havia motivo para isto. Tivemos doze filhos: Anunciata nasceu em 25/07/1913; Lacerdino em 14/10/1914; Odilon em 02/03/1916; Flora em 22/12/1917; Niva em 26/11/1919; Altavina em 07/10/1921; Floripes 02/06/1923; Maria em 03/09/1924; Gessi em 10/11/1927; Doraci em 02/04/1933; Doralice em 26/03/1931; José em 27/07/1933.
               Construímos um lar pobre, mas, honesto e cheio de trabalho. Sempre orientávamos nossos filhos no sentido de levarem uma vida honesta e digna, acho que todos eles seguiram os nossos conselhos. Como éramos uma família muito grande passamos muitos apertos, porém nunca deixamos faltar comida para os meninos. Nunca tivemos banquetes, mas, o feijão com arroz nunca faltou em nossa panela.
               Acho que a felicidade do meu casamento é devido ao entendimento que havia entre mim e o Primo. Com já disse antes, nunca houve briga entre nós, o respeito um pelo outro fez com que ficássemos sempre unidos. Pena que um dia este convívio teve um fim. Guardo dentro de mim as boas recordações dos momentos vividos.
               Teve um acontecimento em minha vida que no dia quase morri de tanta raiva, hoje quase morro de rir. Foi em um dia de eleição, eu era UDN doente, fiquei numa ansiedade danada para chegar o tal dia. Finalmente chegou a hora, coloquei vestido novo, passei pó de arroz, me preparei toda. Quando fui procurar meu título o mesmo havia desaparecido, revirei a casa toda e nada de encontrá-lo. Chorei o dia todo, e só no outro dia o bendito apareceu. Dizem que foram os eleitores do PSD que tinha em minha casa que esconderam meu título para eu não votar na UDN.
               Tive uma família grande e de repente quando dei por mim, meus filhos já estavam todos casados e construindo seus lares. A única coisa que me restou foi rezar por eles e pedir a Deus que os guie em seus caminhos.
           Uma coisa que me dói muito é a solidão, que sinto às vezes, pensar na família tão grande que tenho e muitas vezes me vejo tão só. A única maneira que encontro para tirar a solidão é pegar meu terço e rezar.
           Sabe, uma das coisas que tenho mais medo na vida é da morte. Ah! Nem é bom falar, morro de medo. A morte tira o prazer da vida. Eu gosto muito de viver, mesmo não podendo fazer as coisas que eu mais gosto. Esse negócio de ir e não voltar mais, não tem graça nenhuma.
              
Não sei explicar o que me prende tanto a vida e nem saberia dizer quantos anos eu gostaria de viver. Mas, quanto mais, melhor!
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Melvira e Primo


          Meu Bisavô Primo Morais Pessoa, eu não cheguei a conhecer pessoalmente, mas lembro-me dele pelas fotos e pelo que ouvi falar. Era baixo, branco, usava bigode e tinha lindos olhos azuis, assim imagino, pois as fotos, nesta época eram em preto e branco. As informações que apurei sobre ele é que era uma pessoa bem humorada e gostava de charadas, trocadilhos, piadas e adorava minha Bisavó. Ela era bem mais nova do que ele. Quando se casaram, ela tinha 16 anos e ele 45 anos (velhaco, hein!?). As brincadeiras, piadas e o senso crítico são características marcantes nos seus descendentes, pois é impossível ficar perto de um ou outro, ou de muitos, sem rir o tempo todo. Há uma passagem engraçada dele com minha mãe (sua neta), a qual ele fez uma pergunta quando ela estava com meu pai (na época ainda eram namorados). “Quem é o homem que mais havia plantado Banana Nanica em Pimenta?” E claro que eles não sabiam a resposta. Então meu bisavô respondeu: “É o José Fidelis”! O nome da mulher dele não é Nica Fidelis? Ora, portanto, ele plantou a banana na Nica! O casal quase morreu de vergonha, não era uma piada que normalmente um avô contava a seus netos naquele tempo! Mas, tirando a verve humorística, meu bisavô era muito trabalhador, pois tinha de tratar de uma família enorme com seu trabalho de artesão, que consistia em trabalhar a palha, capim, tecidos, fazer colchões, enxergões... etc. Ele também preparava remédios naturais para sua família e muitos Pimentenses, suas garrafadas eram famosas... Em uma época em que médicos e remédios eram de difícil acesso, ajudou a aplacar o sofrimento de muitas pessoas.
          Alguns anos antes do meu bisavô Primo falecer, 1959, minha bisavó Melvira passou a dormir sozinha em outro quarto, deixando-o solitário em sua cama. Conta minha mãe, que ele ficou muito apaixonado por ela ter saído da alcova, estava sem sua paixão, seu cobertor das noites frias, e, por isso, começou a beber, talvez, para aplacar a sua solidão. Sua tristeza foi grande, pois ouvi uma prima (querida tia Rejane) dizer que no fim da vida ele já não aguentava mais ver tanto nascer e pôr-do-sol. Até mesmo os heróis se cansam!
          Será que herdei alguma característica de meu bisavô? Com certeza não foram os olhos azuis ou a cor de sua pele, e nem seu poder de Dom Juan de Marco para conquistar uma Lolita de Nabokov muitos anos mais nova do que ele.

          Carta de meu bisavô Primo para minha avó Anunciata. Estou transcrevendo na íntegra o que consegui decifrar, inclusive com os erros de português. Cabem algumas explicações do que estava acontecendo na época. 1- Minha avó Anunciata era professora e estava triste por ter sido transferida para uma escola em Ibirité. Simplesmente por ter sido adversária política do partido UDN que era representado pela alta sociedade; ela era PSD doente, partido dos pobres. Junto com ela foram transferidas mais três professoras, que ousaram a se opor ao governo do partido UDN. 2- A Doraci (Dora), casou-se com o Paulo Lopes e sua irmã Anunciata só ficou sabendo por carta. 3- Deputado Mauricio de Andrade do partido PSD (Dr. Maurisso) era dono de várias propriedades em Calciolândia. Ele pousava com seu avião vermelho no campo aviação em Pimenta que era de terra batida. Os seus opositores políticos diziam que o toureiro estava chegando para o circo, devido o avião ser vermelho igual a capa de um toureiro. Foi por intermédio dele que minha avó voltou a trabalhar na escola em Pimenta. 4- O Acir, filho da Florípedes, tinha uma doença degenerativa com o nome de pelagra, e morreu mais ou menos seis meses depois do seu nascimento. 5-Luiz Gonzaga (compadre Luiz) era dentista prático, e casado com a Flora, filha de meu bisavó Primo, irmã de Anunciata.  Segue a carta à qual me referi.
                        "Pimenta 5 de junho de 1948.
            Muito minha querida filha abensou te e aos meninos o meu desejo que esta vá encontrar gosando saúde e felicidade. Aqui vamos todos bem grasas a deus oque nos amola e suas tristesas a hi. Mas se deus quiser não a de cer nada eu peço a Deus para que de hoji em diante as coisas vai melhorar para você. Anunciata a Dora casou se hontem, aqui esteve um trator arrumando as ruas, tivemos aqui um dia de tanto movimento como nunca houve o Dr Maurisso veio aqui 3 veze voando de avião tivemos o carro de Melhoral. O copadre Luiz esta morando a qui trabalhando nas dentadura o acir esta bem melhor crêo que vai sará eu desejava escrever muito como sou analfabeto pararei seite aminha bemção e carradas de recomendações de todos daqui e benção de sua mãe.

            Primo Pessôa."
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Anunciata


          Da união de Primo e Melvira nasceu a primogênita de 12 filhos, minha querida avó Anunciata. Pessoa muito espirituosa e inteligente, que aos 15 anos se tornou professora primária, profissão na qual se aposentou.  Uma de suas aulas foi assistida por um militar na época da ditadura Vargas, Estado Novo, para verificar se ela não estaria transmitindo a seus alunos teorias subversivas. Mas, ela era esperta, não necessitava pregar teorias marxistas a seus pupilos, bastava a ela ensinar-lheS a pensar, e o futuro iria dizer sobre o que fora semeado. Era adepta de um ditado que vivia repetindo “Quem come sem regra morre sem honra”; talvez aí esteja o segredo de sua longevidade, 97 anos. Como professora, aos 79 anos, alfabetizou minha filha de cinco anos, Poliana. Embora seus olhos estivessem morrendo para este mundo, sua memória continuava pródiga e brilhante. Centenas de Pimentenses foram seus alunos e gostavam muito dela, pois ela amava o que fazia e não media esforços para educar seus pupilos. Era uma época que os professores eram autoridades e castigavam seus alunos, mas, minha avó tratava todos com carinho. A sua casa vivia cheia de alunos, pois dava aulas de reforço gratuitamente, alfabetizava pessoas já idosas e outras com deficiências de aprendizado. Sem sombra de dúvidas e exagero, sua casa foi a primeira APAE de Pimenta. Um caso que virou folclore na família foi o de uma moça que ela estava tentando alfabetizar, Madalena, que tinha problemas de aprendizado. Minha avó lia as palavras do livro e ela as repetia sem nenhuma empolgação, e assim prosseguia a lição. Num dado momento entre falas e repetições, minha avó percebeu que a aluna não estava olhando para o livro e a corrigiu dizendo: “Madalena olha para o livro” e a aluna mais do que depressa repetiu desatentamente: “Madalena olha para o livro”. Isso virou um chavão de nossa família e quando queremos a atenção de alguém muito disperso, falamos alto e em bom tom “Madalena olha para o livro”. Como não poderia deixar de acontecer, durante a vida fui chamado de Madalena por muitas vezes. "Um astronauta no mundo da lua". Em um acontecimento dramático, uma aluna acusou minha avó de ter mordido seu braço. Ela foi chamada à diretoria para devidas explicações, e lá se encontravam os pais da aluna. A menina estava com o braço muito roxo e a marca dos dentes sobre a pele. O pai dela muito alterado e querendo tirar satisfações, desacatava a todos em sua volta.  Minha avó e a diretora tentando apaziguar a situação.  A professora Anunciata, desesperada para provar sua inocência percebeu que a marca no braço da criança tinha todos os dentes, o que parecia um reloginho, mas, ela, a professora, nesta época estava extraindo os dentes para passar a usar dentadura e já tinha várias falhas na dentição, o que provou sua inocência. Diante de tal revelação, a aluna foi pressionada pelos pais e acabou confessando que fora ela a autora da mordida e que queria incriminar a professora que ousou chamar-lhe a atenção por mau procedimento em sala de aula.
          Assim seguia a vida de minha avó, sempre pronta para ajudar escrever e ler cartas para muitos analfabetos, o que me faz lembrar da personagem da Fernanda Monte Negro, Dora, no filme “Central do Brasil”. Era dona de um vocabulário invejável, pronunciava as palavras corretamente, e corrigia, quase sempre, nossos erros mais grosseiros de português. Lembro-me da vovó fazendo palavras cruzadas daquelas bem difíceis até quando sua visão permitiu, ou pegando cruzadas semipreenchidas de meus tios, completando-as e rindo, chamando-os de espertalhões com ironia. Envolvia-se na política escrevendo críticas aos cadidatos e enviando-as para os jornais da época, quase sempre pasquins. Ela era uma eleitora que todos queriam ao seu lado, pois seus discursos eram concorridos e muitas vezes corrosivos, pois ridicularizavam de forma inteligente o adversário político. Muito bem humorada, assim como seu pai, gostava de uma boa piada, e se não tivesse sido professora com certeza seria uma artista como Dercy Gonçalves. O seu português impecável e sua veia artística bem que poderiam ser parte de minha herança genética. Porém, o meu português, acho que fica mais para o do meu avô Zé Pinto do que para o da minha avó Anunciata.
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José Pinto e Rômulo

          Seguem-se os personagens. Meu avô José Pinto era um homem de pouca leitura, praticamente analfabeto. Era dono de um senso crítico invejável, mas totalmente avesso a críticas; ele não tinha a mínima esportiva. Era o caminhoneiro da época, pois sua principal atividade era transportar mercadorias no carro de boi. Sua caneta era a vara de ferrão usada para guiar os bois, mas sem jamais maltratá-los, ou uma enxada com as quais escreveu os tortuosos caminhos de sua vida. Foi criado por sua avó materna, logo após sua mãe ficar viúva, quando ele tinha três meses. Ele não saía de perto de sua avó de forma alguma, por isso todos o tratavam de “Pinto da Marcelina”. Ela o chamava de Zé e quando cresceu e se transformou em um moço, começaram a chamá-lo de Zé Pinto da Marcelina. Ele não fora batizado quando criança, e para se casar precisou arrumar os documentos. Como todos o chamavam de Zé Pinto, alcunhou-se José Pinto, mas seu ramo familiar é o Oliveira. Este sobrenome Pinto nunca fora de seus pais, era apenas um apelido que virou sobrenome, ou seja, o sobrenome Pinto começou daí para frente. Depois de alguns meses de casado minha avó achou entre as coisas dele, um caderno no qual estavam escritas somente duas palavras do começo ao fim, “José Pinto, José Pinto, José Pinto..........”. Curiosa pegou o caderno e foi ao encontro do meu avô para perguntar o que era aquilo, pensando ser uma lembrança do tempo de criança. Meu avô lhe disse: _Estava aprendendo a desenhar meu nome para podermos casar minha querida professorinha. Como todos de nossa família tinha uma veia poética, leiam o versinho que ele fez na época de politica. "Nenên Catirina cabelo de Catitu quando soube que perdeu a eleição ficou feito um Urutu".
          Era um apaixonado por política e futebol, atleticano doente e um de seus ídolos era o “Dario Peito de Aço”. Minha maior lembrança dele era como técnico de futebol da meninada, uma de suas paixões depois de sua aposentadoria pelo Fundo Rural. Entendia muito pouco de tática de futebol e pronunciava as palavras erroneamente. Colocava apelido em todos os meninos não tratava ninguém pelo nome. O meu apelido era Zé da Pedra, pois quando estava oitavando minha voz se parecia com a do dono deste apelido. Cito aqui alguns apelidos, pois senti seu espírito me pedindo para que eu o faça. O apelido do meu avô era Mazaropi, Arroz Doce, Pinto da Marcolina, e acredite ou não, ele arrancava até faca se alguém o tratasse por um destas alcunhas. Depois de velho e doente, minha mãe às vezes o chamava de Mazzaropi sem que ele se irritasse, era o tempo tornando seu espírito mais leve e cordato. Aí vão alguns apelidos familiares: Salita, Maria Boi D’água, Lico, Zé Gaiola, Cuca, Capa Égua, Curita, Sucuri, Maçareco, Zé Medeiro, Tchunilas, Tilingo, Jiló, Zé da Liteira, Nó Cego, Suam, Sarilho Disparado, Cabelo de Catitu, Grilo Falante, Candinha, Pripri, Zué...  Ainda bem que não sei a quem eles pertencem, foram-me passados mediunicamente do além, local onde vivem os mortos... E continue, você leitor, creditando a ele a culpa de ressuscitar tão odiados apelidos! Posso até senti-lo revirando no túmulo de tanto rir.
          Uma passagem de meu avô que virou piada e não poderia deixar de contar para todos, foi quando ele estava muito doente e pediu para chamar o padre para se confessar. Quando o padre chegou, todos saíram de seu quarto devido à confidencialidade dos fatos. Meu avô fez sua confissão na maior altura sem se preocupar que todos estivessem ouvindo. “Nunca matei, nunca roubei e nem desonrei, o resto eu fiz tudo padre!” Nem mesmo o padre conteve riso. Meu avô tinha um enorme carinho comigo e me carregava para todo o lado. Foi meu técnico de futebol e me salvou de várias surras de colegas rivais e da minha mãe. Eu era tratado por ele como um ovo da casca mole, quase morria de medo de me devolver aos meus pais com um arranhão que fosse.
 
       Tenho quase certeza de quais características herdei dele, que me perdoem as pessoas que já foram alvo de minhas críticas. Juro que foi sem querer querendo!

          Agora vou falar um pouco dos descendentes do lado de meu pai.
          Meu bisavô, Joaquim Alves Barbosa (Bisavô Quinca) era um fazendeiro da região da Capetinga que depois virou Santo Hilário, e parte de suas terras hoje estão inundadas pela represa de Furnas. De acordo com meu pai, teve uma vez que vovô Juca, ainda menino, caiu do cavalo e ficou no chão gemendo, esperando pelo socorro de seu pai. Meu bisavô Quica apeou do cavalo, chegou perto dele e disse: “Morre calado menino! Larga de ‘gemura’!”. Antigamente era assim, homem tinha que ser durão, “brabo”, e aguentar calado as dores da vida.
          Sua esposa, Francisca Julia Santos (Bisavó Chica), muito boa e caridosa ficou paralítica por um período de 11 anos antes de sua morte. Mesmo em sua cadeira de rodas costurava e tecia o tempo todo. E como trabalhava esse povo antigo!
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Zélia, Kennedy, Juca do Quinca e Zenóbia

         Um dos filhos do casal Joaquim e Francisca é meu avô Juca do Quinca (José Alves Barbosa). Ele tinha fama de Coronel, e era muito respeitado e enérgico com filhos e empregados. Foi fazendeiro por alguns anos, e me contou que uma chuva de pedra acabou com uma de suas plantações de milho, e, com tantos revezes no campo, preferiu instalar-se na cidade. Ele e seu irmão Joaquim chegaram a ser prefeitos da cidade de Pimenta, onde moraram grande parte de suas vidas.
          Meu avô, Juca do Quinca, foi comerciante por vários anos naquela cidade, e meu Pai era o seu caixeiro, funcionário, administrador e comprador da loja. Ele era para ser um dos melhores comerciantes da região, porém a sua relação com o meu avô o fez tomar antipatia de comércio. A lembrança mais viva que tenho dele era de usar uns óculos de ouro de armação bem fina, chapéu de palha bem claro e sua famosa bengala, a qual chamava de manguara. Recordo como se fosse hoje, várias pessoas o procuravam por causa de sua reza que curava vários males, e eu sempre lhe perguntava por que ele não rezava para acabar com sua manqueira. Sempre ria e me dizia que sua reza só valia para curar outras pessoas. Eu fui o único neto que ele teve a paciência de paparicar, levar com ele para vários passeios, mas ai de mim se o desobedecesse. Posso me gabar de nunca ter levado uma bengalada dele, apesar de merecer, ele sempre contemporizava. Alguns dos outros netos levaram algumas cutucadas de sua bengala, só para assustar os mais desassossegados. Lembro-me do cofre que meu avô possuía, o qual para mim era um grande enigma, e que no final das contas estava praticamente vazio, principalmente dos tesouros que flutuavam na minha mente. Muitas vezes tentei abrir o cofre escondido, e sempre lhe perguntava o segredo, mas nunca dava certo. Não sei se por não saber usá-lo corretamente, ou se porque meu avô me enganava (ele ficava rindo de minhas tentativas às escondidas). Ele possuía uma garrucha muito antiga e sempre deixava a gente brincar com ela um pouco e tornava a guardar dentro cofre. Meu avô emprestava dinheiro a outras pessoas por um tempo de sua vida e me dizia que a garrucha era para matar o “Broa”, apelido de um dos credores que o fintou. Ele era carpinteiro, marceneiro e carapina, ou seja, construía todos os seus móveis, utensílios e ferramentas, dono de uma privilegiada inteligência.  Avô Juca e avó Chiquinha eram primos e se casaram apesar das recomendações contrárias.
          Bem que queria ter herdado o seu poder de curar as pessoas, mas ele nunca quis me ensinar. Vez por outra lhe cobro que interceda por alguém que esteja doente, como ele não me ensinou as rezas, ele tem a obrigação de me socorrer! Um pouco de sua habilidade e inteligência me cairiam muito bem, mas talvez tenha ficado com um pouco de sua impaciência e teimosia. 
         Vovó Chiquinha era um amor de pessoa, tratava a gente com todo carinho do mundo, sempre brincava de casinha com os netos e muita das vezes era a nossa filha. Ela era muito magra e pequena, usava constantemente roupas de flanela, parecia realmente uma criança. A gente a colocava de castigo quando desobedecia as nossas ordens, pois tínhamos de descontar em alguém os castigos que levávamos. Sempre com um pitinho de palha que nunca parava aceso, e o isqueiro a álcool que nunca saía de sua mão. Eu gostava de montar e desmontar o seu isqueiro e colocar álcool, apesar de sua preocupação para não me queimar. De vez em quando eu cismava de pitar escondido de minhas tias, e vó Chiquinha acabava deixando depois de muita insistência, mas sempre nos dizia que aquilo não prestava e que só gente boba que pitava. A vovó Chiquinha tinha mania de balançar os pés o tempo todo e bater os nós dos dedos sobre qualquer móvel que estivesse ao seu alcance, ruído que até hoje trago em minhas lembranças.

          Tecia e bordava com uma linha muito fina, lindos forros de mesa entre outros trabalhos; ela precisava manter suas mãos sempre ocupadas. Tinha uma máquina de costura muito antiga que era tocada por uma manivela, na qual fazia roupa para família inteira. Por isso todas as suas filhas costuram muito bem e fazem crochê e bordados. Acredito que meu pai tenha a habilidade de minha avó e a criatividade inventiva do meu avô. Na casa dela em Formiga foi onde passei todos os natais durante minha infância. Lembro-me até hoje do monte de presente que encontrávamos pela manhã, obra do Papai Noel. Os melhores almoços em família de minha vida foram na casa de minha avó Chiquinha. Eu podia sentir a felicidade entre meus primos e irmãos.  A euforia com os brinquedos atrapalhava um pouco a fome, apesar do excelente banquete preparado pelas amadas tias. Na época, meus avós moravam juntos com as tias Zenóbia, Zélia e Zilda, que proporcionavam todo esse conto de fadas para nós.
         Seria um prêmio minha avó ter transmitido sua habilidade e ternura para mim, mas com certeza, quando estou ocioso tremulo o pé e bato com o nós dos dedos o tempo todo sobre qualquer superfície. Eu, meu pai, e minha caçulinha, sempre estamos tremulando os pés ou batendo com as mãos em algum lugar.
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         Ufa!!!Cheguei a meus pais!
Dirce e Zezico

         Vamos começar por minha mãe Dirce Pessoa da Silveira, filha número 5 de 12 filhos de Anunciata e José Pinto (que não combinavam muito bem, diga-se de passagem, incompatibilidade de gênios). Uma morena muito bonita como revela suas fotos em preto e branco de quando era jovem. Prendada artesã, sabia fazer quase todos os modelos de crochê que possam imaginar. Cozinheira de mão cheia, pois, minha avó não gostava muito de cozinhar e a ela coube esta função desde muito cedo. Passava horas contando franja e ajudando a colocar nas colchas de lã e linha, ou ajeitando palha, papel crepom e papel celofane para fazer bolsas artesanais. Como minha avó era professora, minha mãe foi quem ajudou a cuidar dos irmãos mais novos, e ajudava a controlar meu avô que não tinha nada de muito manso. Advogada de defesa dos fracos e oprimidos, cuidou para que meu avô não acabasse com alguns de seus irmãos e a própria mãe. Acho que foi a única filha que não apanhou dos pais ou irmãos. Já a nossa casa era sempre cheia de visitas e minha mãe fazia quitandas e doces quase todo dia, eu até sentia desejos de comer um pão de vez em quando. Estava sempre muito disposta e recebia todas as visitas com muito carinho, que além de comer suas iguarias ainda levavam sempre um lanche para a viagem. Muito enérgica comigo e meus irmãos, exigente com o nosso vestir nos dias de visitas, tínhamos de estar impecáveis quando visitávamos a casa dos avós paternos. Assim como meu avô José Pinto, colocava apelidos na gente o tempo todo. Aí vão algumas alcunhas de sua predileção: Nega do Targino, Lebrinha, Santinha do pau oco, Tamirinho, Nico Pessoa, Tiro de espingarda, Zé Pretinho, Bafafá, Zé da Pedra, Zulmirona, Baixeiro, Bicho preguiça, entre outros. Lembro-me de eu e meus irmão inventarmos dores de cabeça para não ir à escola; pois ela, criativa como nenhuma outra, comprou uma caixa de supositório e disse que o mesmo era ótimo para dor de cabeça. Foi tiro e queda, ninguém nunca sofreu mais deste "mal de dor de cabeça" antes das aulas. Sempre muito espirituosa e ardilosa, era muito difícil contar uma mentira para ela; sempre acabávamos caindo em suas ciladas e ela descobria a verdade. Eu a considero o membro mais querido de sua família, pois está sempre acudindo os que mais necessitam (meu pai sempre a apoiou neste quesito. Ela sempre ajudou nas despesas domésticas vendendo crochê e joias, com essas economias comprava móveis para casa e roupas para toda a família.
         Entre outras características, com certeza a tendência para o comércio herdei de minha mãe. Desde muito cedo quis alcançar minha independência financeira e não ser empregado pelo resto de minha vida. Posso dizer que tive a metade de sua coragem, pois sou pai da metade dos filhos que ela teve! E como é bom ter cinco irmãos, e uma casa cheia e visitas! Apesar da trabalheira que ela teve por sua casa estar sempre repleta de visitas, minha mãe estava sempre feliz e disposta a fazer de tudo para agradar a todos. Ela sempre tratou seus irmãos mais novos, meus primos (seja lá em que grau for), os netos e nossos amigos como seus filhos. Uma verdadeira galinha com pintos, sempre cabia mais um debaixo de suas asas.
         José Barbosa da Silveira, Zezico, meu pai, filho do avô Juca do Quinca e avó Chiquinha. Um homem muito trabalhador e que não recusava fazer qualquer serviço. Dentista, protético, relojoeiro, alfaiate, carpinteiro, pedreiro, eletricista, o Sr. conserta tudo. Um autodidata que aprende tudo com facilidade incluindo sua profissão, dentista: como ninguém disse para ele que aquilo não era possível, ele foi fazendo e aprendendo com a vida. Sempre gostou muito de armas e foi um exímio caçador. Tive a oportunidade de acompanhá-lo em várias caçadas e pescarias também. Tinha sempre um cachorro perdigueiro muito bem adestrado, claro, adestrado por ele, e que atendia a todos os seus comandos. Quase nunca batia em mim ou em meus irmãos, mas colocava-nos de castigo lendo “Nosso Amiguinho”, uma revista infantil, ou “Vida e Saúde”, uma revista indicada para adultos.  Comecei aprender com ele a fazer próteses dentárias, as quais tinham que ficar perfeitas. Muitas vezes passava horas em seu consultório observando-o arrancar dente de clientes e realizar pequenas cirurgias. Uma de suas pacientes esporádicas, com aparência de índia e que nunca tinha ido a um dentista, certa vez apareceu acompanhada de um Sr. bem mais velho, e morrendo de vergonha e medo da dor. Ela ficou umas duas horas na cadeira para a extração de um dente ciso, que teve de ser cortado ao meio para depois ser extraído. Até hoje não sei como meu pai conseguiu controlar a “impaciente”, e arrancar o fatídico dente com a coroa já carcomida pela cárie. Seus instrumentos cirúrgicos ainda sobrevivem, pois meu pai ainda é da época em que se comprava um aparelho ou ferramenta que durava o resto da vida!
          Quantas vezes passei horas ajudando meu pai a encontrar uma minúscula peça que voara, quando ele abrira determinado aparelho para consertar. E pode acreditar, sempre achava e conseguia montar de volta tudo em seus determinados lugares, deixando tudo funcionando como precisava, ou melhor!  Nunca me esqueço quando ele voltou a cursar o ensino médio, e passou uma madrugada resolvendo uma equação matemática que nunca chegava à resposta correta. Pela manhã mostrou a minha mãe, por alto, o que estava acontecendo, e que no final do problema tinha colocado a seguinte resposta: 3x7=24.  Disse a ela que a resposta teria que ser 21 e nunca dava certo. Dona Dirce apenas sorriu, disse-lhe que 3x7 nunca fora 24 e sim 21. Ele tinha tentado, a noite toda, resolver o problema de todas as maneiras e não lograra êxito.
         Sempre foi muito caprichoso com seus carros, desmanchava o que era possível e limpava com esmero. Até hoje me recordo de um dia que fiquei a sua volta por horas e ele limpando o carro... quando terminou o polimento, jogou a estopa em cima de um monte de areia. Eu, na minha inocência dos quatro anos de idade, peguei a estopa e fui dar meu toque de Midas no serviço dele. Levei uma bronca gigantesca, e sem entender o motivo, pois queria apenas ajudar meu herói na sua tarefa. Dessa época veio meu trauma de limpar carro!
         Do meu pai herdei um pouco de sua habilidade e inteligência, mas, apenas o suficiente de sua determinação e coragem para fazer qualquer coisa. Hoje tem ferramentas mais adequadas e encontramos quase tudo pronto e descartável, o que facilita e muito minha vida.
         Esta narrativa é interminável, pois ainda devo viver alguns anos e acrescentar descrições e causos de vários personagens de minha família. E quem sabe depois de mim alguém continue escrevendo! Peço a ajuda de todos os leitores da família que me enviem sugestões para acrescentar aos fatos já relatados. Caso alguém queira acrescentar um personagem que ainda não foi mencionado, terei prazer em adicioná-lo a esta história. Minha única ambição é repassar para as gerações futuras algo sobre nossa família. Pretendo publicar um livro com todas as minhas lembranças e a de vocês também!
          Tem muitos artistas nesta família que precisam fazer parte desta história, me enviem o seu texto e faça parte deste futuro livro. E, se alguém já tem um livro sobre a família, por favor, me deixe fazer parte!
          Aguardo sua colaboração.
 Kennedy Pimenta
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Luiz e Gilberto

Contribuição de Luiz César Pessoa Pinto.     
            Dona Dirce, minha irmã, sempre espirituosa, tinha umas pitadas do Zé Pinto e acertava na mosca sem dó e nem piedade. Bom, lembro-me de uma boa história.
            Aparecida Machado, a Dinha, trabalhava e morava na casa da Dirce, foram muitos anos de convivência harmoniosa, sem problemas, mas tinha uma regra de ouro imposta pela patroa-mãe: estudar.  Dinha era como uma filha, não havia diferença de tratamento pela parte de ninguém. O trabalho na casa era dividido entre elas: a cozinha, a roupa, a limpeza da casa, cuidado das crianças pequenas, no caso Rômulo e Alisson.  À Gisele cabia a tarefa de lavar banheiro, arrumar camas, varrer casa. Até hoje a coitada é traumatizada com limpeza doméstica, se tudo não estiver do jeito que ela quer, da cor, do perfume, pode ter certeza, de nada serve. O guarda-roupa, Jesus me acode, os cabide virados todos para o mesmo lado, as roupas organizadas, dobradas, limpas, impecáveis. Mas, nem sempre foi assim. Já mocinha adolescente, e como todo adolescente, tinha uma preguiça de matar. Quando tinha que lavar o banheiro, um dia sim e o outro também, que tristeza. Sentava, chorava, fungava, e a coitada da Dinha ficava morrendo de dó e fazia uma barganha com ela. Lavaria o banheiro se ela lhe desse um cigarro. Gisele ficava serelepe na hora, tratava de arrumar 0,10 centavos para comprar um cigarro picado e fazia a troca. Mais tarde, Dinha fumava no fundo do quintal, claro que escondido da Dona Dirce que tinha uma birra de cigarro de matar, e quem ficava vigiando o ambiente para a companheira de barganha? Gisele. Para a Kátia cabia ajudar na cozinha, tornou-se uma excelente cozinheira, mas, ultimamente para nosso azar, arrumou uma mania de pedir marmita nos restaurantes, e suas panelas raramente esquentam no fogão. Quer saber? Mais do que certa! Certa vez, acabara de amassar um pão de queijo e fez uma cruz em cima, claro, para a massa crescer bonita, e de boca aberta, escorreu uma bela babada na massa, uma boa colherada. Ela não sabia se ria, se limpava a boca, se tirava um bocado da massa. Mas, não pense que a massa foi para o lixo, claro que não, onde já viu falar que baba de moça bonita faz mal para alguém? O pão-de-queijo ficou ótimo como sempre.
            Quanto a pajear os meninos, uns santinhos, Zé Pretinho e Nico Pessoa, era uma tarefa hercúlea. Um dia, fizeram uma gangorra no esteio da varanda e foram balançar o Alisson, Zé Pretinho. Mais alto... mais alto... mais alto. Altitude máxima. Zé Pretinho rachou a cabeça na viga da varanda e foi aquela brecha. O melado escorreu, o menino abriu a boca, gritava e esperneava pela mãe. Correram com ele para o fundo do quintal, fizeram mil promessas, Dinha, Gisele, Kátia, até engabelá-lo e parar de chorar. Como era muito cabeludo, tinha um cabelo de fazer dodói, como dizia o Zezico ao passar a mão na cabeça dele, esconderam a brecha na moita de capim e passou despercebido. Uns dois dias depois, a Dirce penteando o cabelo dele descobre a façanha. Bom, foi um falatório daqueles, mas como menino cura tudo, com uma semana estava praticamente cicatrizado. E a vida corria.
            À noite, Dinha ia para a escola, mas sempre passava na venda do Zé Piduca para jogar sinuca, e dizem que tomava um golinho de pinga com as colegas. Uma noite, Gilberto, já mocinho, entrou na venda e pegou a donzela matando aula. Pronto! Estava no ouvido da dona Dirce. Foram promessas e mais promessa para enrolar o fofoqueiro oficial. Mas, sempre que estava na escola, Dinha ligava para a casa dela para pedir alguma coisa que tinha esquecido. Um lápis, um caderno, um livro, um dinheiro para a merenda. Era uma ligação atrás da outra. Uma amolação sem tamanho, mas com paciência de Jó, Dirce mandava tudo para ela. Uma noite ligou pedindo uma blusa de frio, porém antes de ir para a escola foi avisada que o tempo estava esfriando, deveria levar um agasalho, se prevenir. Os avisos caíram em tímpanos de mercador. Entraram por um ouvido e saíram pelo franzido.  Telefone toca e era ela. Dirce estava assistindo a novela, capítulos finais e teve que levantar do sofá para procurar uma blusa para a mocinha surda. Pegou uma blusa qualquer, chamou o Rômulo que estava na porta de casa e o mandou levar o agasalho para a Dinha na escola, mas mandou também um recado bem sem educação.
            Rominho, o Nico Pessoa, escutou bem o recado e foi correndo até a escola, pois o danado adorava um mal feito. Ah! Isto era com ele. Chegou à escola, pediu licença à moça da portaria, perguntou em qual sala a Dinha estava e entrou. Bateu na porta educadamente e a professora de Biologia, dona Fátima, o atendeu e ele deu o seguinte recado:
            _ Dona Fátima, minha mãe mandou esta blusa de frio para entregar para a Dinha e mandou dizer que é para ela ir chupar cu de passarinho e parar de ficar amolando na hora da novela dela.
            A professora ficou estupefata. Passado o susto, caiu na risada e fez o Rômulo repetir o recado umas três vezes. A dona Dinha, quase morrendo de vergonha, encolhia-se na carteira pedindo à terra para engoli-la de vez, e os colegas de sala, caíram numa risada geral. A aula de Biologia havia acabado de acabar. Bom depois desta, Dinha nunca mais ligou pedindo para levar algo para ela até a escola, e o medo do Nico Pessoa levar a encomenda e um novo recado da filha do famoso Zé Pinto? Lição aprendida de cor e salteado.
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Kátia

Comentário de Kátia Pessoa Barbosa.
              Vovô Juca do Quinca sempre me tratou com muito carinho, ele era meu padrinho, estava sempre me presenteando com um dinheirinho para comprar uma fita para colocar no cabelo, ou mesmo para comprar um lápis para rabiscar os olhos. Ele dizia que "morena cor de jacú sem pena" dos olhos rabiscados e fita no cabelo era mais bonita.
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Flopípes, Atônio Sergio, Rejane e Sergio

Comentário de Maria Aparecida Oliveira Neta do Antônio Sergio de Oliveira.

          Sou filha de Antônio Sérgio, neta de Antônio Sérgio de Oliveira, da Pimenta. Adorei os registros. Muito bom eternizar as pessoas que representam muito na nossa vida. Eu não conheci a maioria das pessoas que você citou, mas reconheço algumas, ao recordar dos casos que o meu pai contava. E olha que não eram poucos e todos muito engraçados. Ouvi muita histórias do Primo, não sei qual deles e também da Melvira. A Anunciata, minha madrinha,representou muito para meus pais. Ela apoiou incondicionalmente o início da história dos dois e me recebeu, ainda pequenininha, em Pimenta, solucionando um problema que na época era inaceitável. A Dirce, pessoa maravilhosa, alegre e sempre de bem com a vida. Nas poucas vezes que vou a Formiga não deixo de ir vê-la. E a colcha de tear de Pimenta! Já dormi muitas vezes enrolada em uma delas.
Abraços.
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Doralice, Gessy, Anunciata e Xará do Zimbo.

Comentário de Doralice Pessoa
Kennedy, estou maravilhada pela redação sobre nossos antepassados, a Mãe Sinha, meus pais e tudo que você colocou, como a entrevista oferecida pelo Primo me fez voltar ao passado e reverenciar os acontecimentos como se fossem hoje,me trazendo tristeza e tbm alegria de estar dentro deste conteúdo e muitas vezes chorar pelas minhas faltas, mas sem condiçao de ter feito o melhor pra eles, como ví o papai morrer em casa no pior sofrimento, Agradeço a você pela grande considereção e amor que você demonstra a sua origem e a toda família, sua inteligência ao escrever no Recanto das Letras, meu amor a vocês e meus parabéns.
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Comentário de Cordélia Pessoa
Eu me lembro do Acir era filho da tia floripes morreu de desidratação e me lembro muito também da mâe Sinhá ela tinha uma galinha que punha ovos azuis eu ficava deslumbrada !!!


Kennedy Pimenta 🌶