O fantasma nosso de cada dia

'Me acompanha um vazio. Um vazio preenchido ( se é que é possível). Não é um vazio, é um fantasma. Fumo um cigarro e ele está do meu lado fumando minha fumaça. Sento no sofá e ele está do meu lado. Ando na rua e até sinto a mão dele pegar a minha. Fecho os meus olhos e posso sentir o abraço. Esse eu conheço, conheço até bem demais. O fantasma tá ali. Dorme comigo, almoça comigo, fuma comigo, bebe comigo, vive comigo. Eu o alimento ou ele está aqui por que quer? Eu já estou habituada a ele, já faz parte de mim. Já fez parte de mim. Mas ele não morreu, está bem vivo. Está do outro lado do mundo, vivendo e sorrindo. Mas o fantasma tá aqui, encostando no meu ombro agora. Sinto seu beijo na minha testa, sinto sua mão acariciar meus cabelos tão cacheados. Fecho os olhos e posso beijar a testa dele também, em sinal de 'vou cuidar de você pra sempre, tá?'. Ando nas ruas olhando pros lados, sentindo ele segurar minha mão pra atravessar a rua (ele sabe que eu não sei atravessar sozinha), ele cuida de mim no final das contas. Eu não o vejo (só se fechar os olhos). Sei bem qual a face dele, sei cada detalhe. Queria poder acariciar o rosto e sentir de verdade, não mais os fluidos imaginários. Talvez um amor tão grande tenha virado fantasma, Deus deve ter tido pena de mim e transformado tudo o que amei em fantasma, só pra eu não andar sozinha. Até sinto o cheiro dele. Sinto cheiro de banho, de perfume, da respiração. Ouço a voz, a gargalhada, o suspiro. Ouço, beijo, toco, abraço. Amo um fantasma que está vivo, talvez ele me ame também. Espero a hora em que o fantasma volte para o corpo e o corpo volte para mim.'