Escreva aqui o que está pensando...

Eu abro a minha página no facebook e já dou de cara com ela, dizendo sempre a mesma coisa. Não sei se como uma ordem, ou apenas como uma mera sugestão. Sei tão-somente que ela está sempre lá, insistente e até um pouco indiscreta e invasora: “escreva aqui o que está pensando...” Por isso, acredito que já está passando da hora de termos uma conversa séria.

Quero saber, por exemplo, por que devo lhe dizer, com os dedos, o que estou pensando? Por que não me pergunta se estou a fim de conversar com você? Por que você não sugere algo como: “não preciso saber sobre o que está pensando?” Pode até parecer uma postura indelicada da minha parte, mas não me sinto a vontade com essa sua pressão. Além do mais, tem dias que penso tanta coisa que você, janelinha, não comportaria. É bem verdade que também tem aqueles dias nos quais o penso não consegue ultrapassar a linha da mediocridade. Mas, independente do dia, ou do estado de espírito, não preciso ceder à pressão. Não quero escrever o que estou pensando. Prefiro ficar na minha e guardar o silêncio digital.

Meus dedos, janelinha, não lhe falarão das minhas alegrias, preocupações, esperanças ou qualquer outra coisa que, eventualmente, esteja povoando a minha mente vagante. E sabe por quê? Por uma razão simples. Espero que não se ofenda janelinha, mas reparei que você não tem rosto, não tem face e muito menos tem sentimento. Reparei também que, apesar de insistir para que lhe diga o que estou pensando, você é sempre fria e muito indiferente ao que penso ou sinto. Por mais que lhe fale, sua reação é invariavelmente a mesma: mecânica e impessoal! Por isso, frente à sua insistência inconveniente, guardo o que é parte de mim para mim mesmo. Vou simplesmente continuar nos meus solilóquios. Se bem, janelinha, que o pensador e escritor Santo Agostinho, com quem aprendi a arte do solilóquio, traiu a si mesmo. Ele não resistiu à tentação do papel – “escreva aqui o que você está pensando” - e grafou nele seus solilóquios. Hoje o mundo inteiro sabe o que ele pensava naquela hora.

Não Janelinha, não vou ceder aos seus apelos ou imperativos, porque você não é uma janela muito sensata. Você não tem muito filtro. O que se diz a você, sussurrando com os dedos, você espalha para o mundo.

22, 07, 2016.

Epitácio Rodrigues
Enviado por Epitácio Rodrigues em 24/07/2016
Reeditado em 04/08/2016
Código do texto: T5707770
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