O VOO DE DÃO

Cheguei em Itatuba na primavera de 1988, para gerenciar a Agência de Correios. A família ficara em Itabaiana e por isso hospedei-me na Emater, prédio que vim a adquirir, a posteriori, do Sr. José de Tota.

Nas tardes modorrentas, quedava-me na frente da Agência a ouvir "Quando a gente ama qualquer coisa serve para relembrar", do rádio de Biu de Josa, gerente da Cooperativa Agrícola, também sentado na calçada, por falta de cliente. Eu 'odiava' aquele gênero musical, mas sofrendo a saudade de Luciene Soares, apeguei-me àquele "fio de cabelo". À noitinha era 'obrigado' a ouvir "A voz do Brasil", do rádio de Avelino, Gerente da Emater. rsrs Ou então saía pra beber com os meninos de Vilu, com Oliveira, irmão de Júlia Oliveira, ou com o irmão de Maria José de Zé de Joca.

Seis meses depois nasceu Sander Brown, em João Pessoa, e Luciene Soares resolveu que era tempo da família vir para Itatuba. Não havia água, mas a sede da presença dela, de Piero Alyson, de Lorena Alysson e do baby era maior do que a sede literal.

Foram 6 anos de êxtase naquela cidade! Eu, que era agnóstico, converti-me ao cristianismo e não sabia se a Terra subira ou se o Céu descera.

Fiz grandes amigos na Igreja. Chamávamos a "Igreja do Milagre", porque era tão carente, mas ainda assim contribuía para Missões. Os membros eram, quase na sua totalidade, trabalhadores canavieiros. A Igreja ficava vazia na época do corte da cana. E os que ficávamos na cidade morríamos de saudades dos irmãos, ansiando que o corte acabasse para tê-los de volta. Éramos um tanto egoístas no nosso amor, porque o corte era o que proporcionava o pão dos irmãos.

Cheguei a ser professor e Superintendente da Escola Bíblica Dominical. Como lá não havia estudo dos professores, eu convidava o irmão Dão de Valdemar e irmão Biu, sobrinho do pastor Djalma Tomé, para estudarmos as lições na minha casa. E ficávamos horas estudando na calçada.

Em 1992 comprei o meu primeiro carro, aos 32 anos. Era um Opala tão veloz que me metia medo. Então precisando ir em Riachão do Bacamarte, percurso que teria de passar pela BR320, convidei o irmão Dão de Valdemar para dirigir aquela baleia. Percebi, durante a ida, que o irmão era menos perito do que eu. rsrsrs Voltei dirigindo.

Na verdade eu não queria contar nada disso. O que eu queria dizer é que o irmão Dão de Valdemar partiu para a glória. Disse-me o poeta El Gorrión que ele enterrou-se hoje, às 16:00 horas. Pedi que o poeta transmitisse as minhas condolências à irmã Cristina, esposa de Dão, e à irmã Rosa, sua irmã.

Mas como eu poderia deixar sem registrar a partida de um amigo querido, que eu aprendi a amar e a respeitar? Em sua homenagem transcrevo uns versículos de Mateus, que eram basilares para as suas pregações:

"Pois assim como foi nos dias de Noé, também será a vinda do Filho do Homem. Porquanto, assim como nos dias anteriores ao dilúvio comiam e bebiam, casavam e davam-se em casamento, até ao dia em que Noé entrou na arca, e não o receberam, senão quando veio o dilúvio e os levou a todos, assim será também a vinda do Filho do Homem." (Mateus, 24: 37-39).