Crise do processo criativo
 
Houve um tempo em que eu produzia textos em “escala industrial”. Eu escrevia todos os dias, às vezes vários textos num só dia, principalmente crônicas. As palavras pipocavam em minha mente o tempo todo. Era preciso interromper as tarefas domésticas para anotar as ideias e, depois de terminá-las, punha-me a escrever e ficava durante horas no computador. A inspiração chegava nos momentos mais inusitados, nos lugares mais improváveis e, como eu sempre carregava um bloquinho na bolsa, estava sempre anotando alguma ideia nova. Se eu estivesse na rua, ficava ansiosa para chegar em casa e jogar no computador. Muitas vezes nem publicava, deixava arquivado para publicá-los futuramente. Porém, não sei o que aconteceu que minha inspiração foi ficando escassa, escassa, até desaparecer totalmente. Parece que meu cérebro entrou em crise, como o país que, naquele mesmo período, entrava numa das piores crises de sua história. No meu caso, eu entrava numa crise do processo criativo.   
Não é a melhor das sensações para um escritor a de não conseguir escrever. Na verdade, é uma sensação horrível. Estar diante do computador e não conseguir digitar uma frase sequer , é como estar com fome diante de um prato vazio. É angustiante. E por mais que eu dissesse a mim mesma: “Calma, vai passar! É só uma fase.”, a danada da fase não passava. Às vezes, eu tinha a impressão de que jamais escreveria novamente. Que frustração! Mas, eu voltava a me dizer: “Tenha paciência. É preciso entender que todos os escritores passam pelo mesmo processo”. Clarice Lispector, em uma de suas últimas entrevistas, revelou que ao terminar uma obra não conseguia criar outra logo em seguida. Era como se surgisse um hiato, às vezes curto, outras vezes mais longo, até que ela conseguisse criar novamente. Ela não se desesperava. Sabia que em algum momento teria um insight e as palavras ressurgiriam.
Nora Roberts, autora americana, em seu romance Segunda Natureza revela por meio de seu personagem Hunter: “Todo escritor tem que encarar o desânimo de tempos em tempos. Assim como tem que encarar as críticas e a rejeição.” – esta citação está em meu segundo livro.
Diante desses argumentos de duas autoras consagradas, eu percebi a necessidade de ser resiliente. Não havia o que fazer a não ser aguardar o momento de voltar ao estado normal. Entretanto, tentava buscar motivos para o meu estado de apatia. Eu acreditava que talvez ainda estivesse muito envolvida com o meu último livro, Do Fundo do Coração. Luana, a personagem central havia me sugado todas as energias. Por se tratar de uma história complexa que fala sobre os seus conflitos existenciais e o seu processo terapêutico em busca de autoconhecimento e de respostas para as suas demandas emocionais, foi necessário um intenso trabalho de pesquisa, onde tive de mergulhar fundo no mundo da Psicologia. Logo eu que nunca fiz terapia ou tivesse qualquer intimidade com o tema. Não foram poucas as noites debruçadas sobre livros e sites onde pudesse obter o mínimo de conhecimento para desenvolver minha narrativa. E, depois do lançamento, veio o período de divulgação e participação em vários eventos. Acho que o que eu tive foi uma ressaca literária.
Depois de algum tempo sem criar praticamente nada, a não ser algumas páginas de um novo livro que pretendo lançar até o final do ano, aqui estou eu digitando este texto. Acho que estou de novo como o país: voltando a crescer devargazinho, superando a crise, recuperando o otimismo, com a esperança de que dias melhores virão.

Jô Coelho
 
Jorgenete Pereira Coelho
Enviado por Jorgenete Pereira Coelho em 09/03/2018
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