Sobre Carros e Memória

O estacionamento dos cinemas estava lotado e eu parei o carro em frente à Mesbla. Isso foi há muito tempo: ainda existia a Mesbla, mas não existiam celulares. Atravessei a loja correndo e fui ao encontro de meus amigos que já me esperavam impacientes em frente à bilheteria. Entramos, assistimos ao bom filme, lanchamos e, saímos pela praça de alimentação, rumo ao estacionamento e após despedir-me deles, caminhei sob um belo céu estrelado na direção da minha Brasília Amarela, como a dos Mamonas Assassinas, mas ainda muito antes deles.

Vozes chamaram minha atenção a um canto onde pude perceber uma senhora, muito nervosa, conversando com policiais e seguranças do shopping sobre o seu carro que havia sido roubado ali no estacionamento. Lamentei por ela e apressei o passo para encontrar-me logo com a Lilica, nome carinhoso que dei ao meu carrinho. Porém, depois de muito rodar por lá, sem vê-la, cheguei à conclusão, dolorosa, de que, também eu havia sido vítima de furto. Quiçá, pelo mesmos ladrões! Julgando que os policiais e seguranças estariam mesmo muito ocupados para solucionarem o meu caso, decidi que o melhor seria retornar ao shopping, onde telefonaria para um de meus irmãos vir me buscar para irmos à delegacia, prestar queixa. Só quando já estava dentro da loja foi que me dei conta:

- Sua anta! A Mesbla tem duas entradas.

Encaminhei-me à outra entrada para encontrar e, feliz, encher de beijos, a minha querida Liliquinha.

Há casos piores: meu primo, do Rio, em passagem por Brasília pegou o carro de minha mãe e foi até a rodoviária para resolver algum assunto. Ao sair, não o encontrando, voltou e já deu logo queixa no posto policial. Depois, foi de ônibus até em casa, de onde minha mãe telefonou-me, pedindo para dar uma passada por lá, já que eu trabalho perto. Não deu outra: o carro estava placidamente estacionado no mesmo lugar onde ele deixou. No estacionamento sudeste, não noroeste, como ele imaginava. Queixa retirada, atenuou-se a gafe pelo fato de ele ser de fora, não conhecer bem a cidade.

Tem também o caso do colega de escola que, cercado pelos amigos ao final da aula, saiu em animada conversação caminhando para casa quando uma outra colega aproximou-se apressada, o cutucou e apontou para trás, perguntando:

- Paulo? Aquela menina não é sua?

Ao lado do portão o único carro estacionado era o do pai dele, com o qual ele, às vezes, vinha à escola. Encostada no capô, a irmã dele olhava para nós, com cara de “morro de medo de chegar nessa idade”. Nós todos havíamos passado ao lado do carro, sem vê-lo.

Mas o melhor de todos foi mesmo o caso de um amigo que, após sair da balada, não encontrando o carro, deu uns sopapos no coitado do flanelinha. Depois, deu queixa na delegacia e foi até chamado pela polícia para identificar um carro apreendido num desmanche em Sobradinho que podia ser o dele. Não era, felizmente, pois ainda restava a esperança de recuperá-lo inteiro, infelizmente, pois havia o temor de nunca mais vê-lo. Uma semana depois, passando pelo estacionamento onde o roubo ocorreu, num momento em que ele estava bem vazio, viu um carro muito parecido e aproximou-se para verificar. Era ele. Não podia acreditar. Até hoje, ele defende a versão de que o carro foi furtado e devolvido ao mesmo estacionamento e, para comprovar sua tese, afirma que alguns CDs que estavam no porta luvas teriam desaparecido. Ninguém acredita.