BOPE - TROPA DE ELITE

BOPE - TROPA DE ELITE

Gravação no Morro da Babilônia

Estavam sendo feitas gravações no Morro da Babilônia para o longa-metragem “BOPE: Tropa de Elite na Babilônia" e fui conferir a coisa. Estava em uma festinha de aniversário, quando da janela vi uma enorme lua atrás da igreja. Não estava bebendo nada, a não ser coca-light. “De repente alguém me disse:” ô, Vera Maria, não é lua não, é a gravação de um filme. Você não viu no elevador o aviso? Fui correndo ver: “A Zazem Produções Audiovisuais está produzindo seu longa-metragem... e tal... entre os dias 25 e 31 de novembro, em algumas cenas irão ser disparados tiros de festim.”.

Falei para a turma que ia subir o morro de moto táxi. Ninguém se habilitou a me fazer companhia. E fui. Cigarro, cinco reais e identidade. Ao chegar, estava sendo gravada a cena de um baile funk no pátio da Babilônia. Lá fiquei, extasiada, quando um rapaz muito simpático falou comigo, perguntando se eu era figurante. Disse que não, que estava ali só pra checar, ver o que estava rolando. Ele ficou meu amigo, trocamos telefones, pegou água e café pra mim. Numa determinada hora (a cena foi repetida umas trocentas vezes), enquanto lá permaneci, 45 minutos ao todo, apareceu um japonês enorme com uma prancheta na minha frente, anotando nomes. O garoto me chamou e colocamos nossos nomes e telefones eu nem sabia pra quê. Quando vimos, havíamos furado uma fila de umas cinquenta pessoas, mas ninguém reclamou, ninguém xingou, ninguém disse nada. Parecia que isto era muito natural. Era para o jantar. Deveríamos nos encaminhar à Quadra Esportiva, onde seria servida a refeição. Detalhe: era mais ou menos onze e meia. Não fui, porque estava na festinha e já havia comido bastante. Imagina! Resolvi ir embora. Estava de bom tamanho para aquela noite. Desci de moto táxi. Muito legal! Ao chegar ao final da tortuosa Ladeira Ary Barroso, estava zonzinha com a descida. Adorei!

Adorei tanto, que no dia seguinte ¬– sexta-feira –, fui de moto táxi novamente, mais ou menos uma da madrugada, sozinha, e lá desembarquei. Logo fiz amizade com um cara de uns cinquenta anos, o Gusmão, que é figurante, morador do morro, como eles mesmos se autodenominam, “morráquios”, e inclusive é aposentado e camelô, e vende suas bijuterias na Rua Gustavo Sampaio, muito simpático, que me trouxe café e biscoito, e um rapazinho bonitinho que ficava toda hora falando comigo, me chamando pra lá e pra cá, trazendo café e biscoitos. Também. Num dado momento, perguntei se ele era da produção, figurante, ou se fazia faculdade de cinema. Ele riu e respondeu: “Não. Eu sou ator. Na verdade só fiz dois filmes até hoje”. Perguntei quais e ele disse: “Dois filhos de Francisco. Eu fui o Zezé de Camargo adulto. Meu nome é Thiago Mendonça”. Disse a ele que havia assistido duas vezes. E Thiago perguntou tão simplesmente: “Você gostou do filme?”. Ao que eu respondi que sim, que tinha me emocionado e até chorei..

Fiquei amiga do Thiago, que a todo o momento vinha me perguntar se eu queria alguma coisa. “Olha, ali tem água; olha ali tem café e biscoito; Vera, você não está com frio? Você trabalha onde? Faz o quê?”... etc.

A cena que estavam filmando era a da captura do “fogueteiro” pelo esquadrão do BOPE, cujo chefe era o Wagner Moura. Muito lindo – não imaginava o quanto –, e simpático, por sinal.

O filme é baseado em fatos reais, relatados pelo Coronel Pimentel. Dirigido por Marcos Prado (de Estamira), e produzido por José Padilha, que a cada corte mudava tudo na cena. O “fogueteiro” iria só ser capturado, e assim, muito ao vivo, muito louca a coisa, ele resolveu que iriam matar o pivete. O garoto estava de casaco sem capuz, e, na cena seguinte, Padilha resolveu colocar capuz. O maior barato!

Coisas muito loucas aconteceram. Os galos do morro resolveram cantar às 03h40min, pois havia muita luz dos refletores. Deduzi que isto mexeu com a melatonina deles. Os cachorros começaram a latir e fugiram ganindo ao serem disparados os tiros que mataram o menino.

Fiz amizade com os pais do “fogueteiro”, Janete e Wladmir, que estavam lá quietinhos num canto, sem falar com ninguém. Muito na deles. Trocamos papos, ela me ajudou com os nomes das estrelas do filme e o que rolava na cena. E sobre o roteiro. Trocamos telefones e e-mails também, enfim trocamos muitas figurinhas.

Filei cigarro e dei um maço de cigarros “Black” para uma moça que morava lá e era figurante.

Outro, que também estava nas filmagens, e é da Babilônia, me contou a triste história dos “fogueteiros”, que sempre, invariavelmente, acabam morrendo. Seja por massacre, assassinato ou drogas. Comovente.

Assim foi, quando eu, com frio, peguei um roupão de um figurante e fiquei vestida com ele até a hora em que as filmagens acabaram. Precisei ir ao toalete e me mandaram para o camarim. Ao entrar no camarim, era uma casa de morador, havia colchonetes, e uns caras estavam dormindo. Pé-ante-pé, para não fazer barulho, entrei e da mesma forma saí. Com cuidado. Nossa! Foi demais! A esta altura, já

não me interessava saber as horas, não tinha mesmo mais moto-táxi,

e fiquei até o fim, aproveitando um belo sol nascendo atrás do Morro

do Leme, mais conhecido como Pedra do Leme. Desci com a turma da filmagem até um barzinho, onde uma moça muito simpática não quis cobrar, um copo de leite gelado, pois eu estava sem dinheiro.

O Wagner Moura estava exausto, transpirando muito, embora estivesse frio. Parou ao meu lado e pediu uma cerveja “bem gelada”. Muito gato! Muito mesmo. Os pais do Brian, “o fogueteiro”, tiraram fotos nossas,

ele, Wagner, Thiago e eu.

Depois, a van da equipe da filmagem os levou e, desci sozinha a ladeira, a pé, e fui revolvendo a minha adolescência, ao passar pela casa do Zé Roberto, um antigo namorado, o terreno onde a família Burle Marx morou, e tive altos insights. Uma súbita sensação de adolescente realizada me invadiu avassaladoramente. Estava nas nuvens!

Senti-me a própria personagem do filme “A Rosa Púrpura do Cairo”, invadindo a tela e vivendo a ficção da minha liberdade.

Dezembro/2006