Armstrong

Armstrong

Transcorria o mês de agosto de 1969. As férias haviam acabado e voltávamos recarregados, mais dispostos para concluir o primeiro ano do curso colegial. Estudávamos no turno Noturno. Na ausência de um professor que havia faltado, conversávamos uns com os outros assuntos os mais diversos. Eu havia mudado de colégio, vindo de um bairro da periferia, e ainda não conhecia bem os meus novos colegas, a maioria moradores de um bairro central de nossa cidade. Tímido ao extremo, sentado em uma das carteiras da frente eu lia algum livro ou algum apontamento, distraído, quando percebi um grupo de colegas à minha frente, pedindo que eu ficasse em pé. Levantei-me e fiquei aguardando alguma nova ordem. Aí eles me pediram que lhes mostrasse o meu cinto. Respondi, calmo, que não usava cinto. De imediato, um de meus algozes, usando as duas mãos, levantou minha camisa colegial, revelando o grosso cordão de punho de redes que eu utilizara como cinto. A gozação foi geral. Quase todos riram diante da revelação. Logo um colega mais bem informado me apelidou:

-Armstrong! Armstrong! O primeiro homem que pisou na Lua!...

Sem dentes perfeitos para encarar a gozação, chorei. Chorei um choro sentido. E pra piorar, ao final das aulas, quando eu montei em minha bicicleta para voltar à minha casa, o colégio inteiro, já sabendo de meu apelido, passou a apelidar minha bicicleta de Apolo 11. Por onde eu andava logo alguém me reconhecia: - Armstrong! Armstrong!...Eu não ligava, mas pedalava chorando.

Órfão de pai, sem muitos recursos, eu fazia das tripas coração para estudar. Trabalhava o dia inteiro como office-boy e vestia, sem muita cerimônia, calças americanas (talvez femininas) que eram distribuídas nos bairros pobres pelos religiosos de então. As bocas das pernas das calças eram estreitas e sobravam muito; a parte de cima quase cobria até o estômago. Usava sempre o cordão de punho de rede para substituir o cinturão, vestia a bata colegial por cima e pronto. Achava que nunca iriam me descobrir...

Com o tempo passei a ficar famoso. Meu apelido evoluíra. Alguns colegas já me chamavam de Neil. Logo fui convidado por um grupo de amigos a fazer parte de seu grupo de estudo. Um desses amigos me patrocinou um tratamento completo de meus dentes, e eu pude sorrir novamente e até arranjar uma namorada. Por três anos convivi com eles e até me sentia feliz e orgulhoso com o meu apelido. Até esquecia o dia mais terrível de minha vida acadêmica.

Logo faria o vestibular e concluiria o curso de Engenharia Civil, e as lembranças do Armstrong foram sendo diluídas. Só os amigos daquela época do colégio ainda me chamavam por aquele apelido. Outros apelidos foram surgindo: “O homem do sapato branco”, “campeão mundial do mundo” etc., e o Armstrong foi ficando “velho”...

Mais de quarenta anos depois, o Armstrong ainda sobrevive. Escreve, pesquisa, ensina... Um baita de um apelido que me deu fama e abriu muitas portas para a minha realização. Deu-me a certeza de que as ações divinas são sutis; que precisamos ter muita humildade para sabê-las e compreendê-las e, acima de tudo, para agradecê-las.